Maria, mãe de Jesus, ocupa atualmente um lugar de suma importância no pensamento
católico. São do conhecimento de todos as manifestações espetaculares da piedade
mariana, as peregrinações e os congressos marianos, além da consagração de
nações inteiras a Maria. Menos notado, mas igualmente importante, é a elaboração
doutrinária (estudo histórico e teológico) que floresce em grande quantidade e
qualidade e numa escala raramente atingida nos séculos precedentes. Obras a
respeito da Virgem, destinadas a divulgar para os leigos a consciência e o amor
de Maria, têm sido publicadas aos montes por editoras especializadas. E todas
elas capacitadas pelos atuais recursos de publicidade moderna e por outros meios
de divulgação, tais como: panfletos, adesivos, camisetas, livros, rádio e
televisão. A consciência e a importância desse tremendo esforço são bem
definidos por seus promotores. O catolicismo dos nossos dias parece que vive um
momento de devoção à Virgem Maria, superando até mesmo a adoração católica de
Maria dos séculos doze e treze1.
Depois de um século de trabalho, a
teologia mariana atingiu um patamar de firmeza e conscientização que nem mesmo
os grandes adoradores da Idade Média, como, por exemplo, Santo Anselmo, São
Boaventura e São Bernardo, provavelmente tiveram a chance de alcançar. Isto
porque o desejo de levar o leigo à conscientização de devoção a Maria nunca foi
tão bem servido como hoje. Os meios de comunicação atuais são poderosos e a
posição de seus divulgadores são firmes.
Qual é o significado desse
importante florescer do marianismo? É evidente que ele se relaciona com o
esforço que a Igreja Católica está fazendo em nossos dias para recuperar as
massas. A pregação mariana presta-se particularmente a isso, e lança mão de
apelos sentimentais e elementares. Maria, como virgem e mãe, acumula em si as
mais poderosas e universais emoções: veneração submissa e nostálgica da criança
sonolenta que há no homem, desejosa de carinho e proteção; e também a atração
pela presença eterna do ser feminino que, quanto mais forte, mais sublimada e
reprimida se apresenta.
Tais fascínios, portanto, reúnem os mais típicos
valores cristãos: bondade, compaixão e misericórdia. A misericórdia, por sua
vez, redime e perdoa. Na pregação mariana, esses valores são recomendados. E
isso é feito por meio de apelo psicológico. Será que o culto à Virgem Maria é o
meio (o canal da graça) pelo qual os eternos valores cristãos hão de voltar a
ser acessíveis às massas barbarizadas e simples, incapazes de pensar mas com
fortes tendências a sentimentos intensos? Será Maria verdadeiramente a
“mediatrix”, num sentido psicológico e histórico, do cristianismo do século de
grandes heresias?
Essa é a idéia conscientemente expressa pelos mais
sérios pensadores católicos que promovem a piedade mariana. “A nova era será a
era triunfal de Maria, e esse triunfo trará consigo o triunfo de Cristo e da
Igreja”. Foi o que profetizou o padre francês Chaminade, em 1838, em uma carta a
Gregório XVI. Em 1927, o padre Doncoeur fez eco a essa profecia: “A presente
geração crescida e nutrida pelos dogmas e pela eucaristia realizará grandes
feitos. Resta ainda a façanha da descoberta da Madona”2.
Talvez, seria um
erro nos limitarmos apenas a essa perspectiva de propaganda, ou, para sermos
mais respeitosos, perspectiva missionária. O presente desenvolvimento da
mariologia não deve ser interpretado somente como um recurso consciente e
voluntário do mais poderoso instrumento de difusão doutrinal. Ele tem raízes
mais profundas que não podem ser conhecidas sem uma noção mais sólida dos
recessos da fé católica.
O catolicismo declara: “Por Maria se vai a
Jesus; sim, mas só por Maria total se chega ao Jesus total, pessoalmente e na
sociedade; por meio da Mãe se vai ao Filho, por meio da teologia de Maria a
Deus, no pensamento e na vida”. Per Mariam ad Iesum et per Iesum ad Patrem! É
esse o caminho que a piedade católica segue, e de forma sempre mais consciente e
segura. A mediação de Maria não é uma proposição teológica abstrata. É uma
experiência vivida, um método de educação, um caminho que tem sido experimentado
e cujas incomparáveis belezas tem sido celebradas com entusiasmo ardoroso3
.
Ora, tudo isso não é de fato natural nem indiscutível. Ninguém que
pensa sobre a extrema gravidade da hora presente e a eterna verdade do evangelho
pode duvidar, por um momento sequer, que o renascimento da fé cristã não deve
ser somente desejado, mas também ser a única esperança da nossa época, se não
quisermos cair no caos. Mas que esse renascimento deva necessariamente vir de
uma mediação mariana, psicológica e pietista, missionária e teológica, não é, de
nenhum modo, evidente e bíblico. A insistência com que os promotores do culto
mariano enfatizam essa tão necessária mediação é a mesma que mostra que tal
idéia é reconhecida pelo próprio catolicismo como sendo uma novidade paradoxal,
com pouca conformidade com as tradições constantes e estabelecidas do
cristianismo.
Na verdade, não existe evidência intrínseca que apóie a
idéia de que o evangelho - o evangelho eterno de Cristo Jesus, o Jesus de
Nazaré, Mestre e Senhor incomparável, o Jesus da crucificação do Gólgota e da
ressurreição - não deva ser dirigido diretamente a uma geração confusa,
desorientada e ansiosa como a nossa sem a ajuda da mediação psicológica e
teológica da piedade mariana. O fato de que tal mediação seja algo necessário,
desejado, invocado e pregado com tamanha e inquestionável convicção, com um
calor que traz em si os melhores sinais de sinceridade, constitui um problema
para as mentes pensadoras de nosso tempo. De que modo a consciência católica
chegou a esse extremo? Perdeu o evangelho a tal ponto sua evidência intrínseca;
perdeu ele seu poder de renovação e convicção, de modo que deve ser recuperado e
pregado de novo, por meio da piedade mariana e do pensamento que defende essa
doutrina? Qual foi a fatalidade histórica e espiritual que fez que Maria se
tornasse a medianeira indispensável de Jesus?
O problema que a pergunta
supracitada levanta é de notável interesse. E não diz respeito apenas ao mais
importante aspecto da piedade da Igreja Católica que, por suas organizações
religiosas, culturais e políticas, aspira visivelmente o controle espiritual do
mundo, ou pelo menos do cristianismo. Abrange, ainda, o desenvolvimento da
piedade mariana, quer do ponto de vista da história das religiões e da
psicologia religiosa, do desenvolvimento dogmático e litúrgico ou da ética
católica. O assunto, de tão interessantes aspectos que possui, por si só
constitui um campo atraente de investigações.
Na elaboração do culto à
Virgem Maria ficou certo que ele, e isso é um fato óbvio, substituiu o das mães
divinas (divindades femininas) do mundo Mediterrâneo. Mas o reconhecimento desse
fato, tirando a referência genérica ao símbolo da divina maternidade, não nos é
suficiente. O culto à Virgem é um fenômeno dotado com individualidade própria. O
que ocorre no culto a Maria pode ser observado, de maneira igual, nas origens do
ascetismo cristão, que é correlativo daquele culto e nele entrelaçado com
profundas raízes psicológicas e morais. As procedências do ascetismo cristão
também estão fora do cristianismo, contudo não podem ser entendidas a menos que
sejam filiadas aos impulsos que o ascetismo recebeu na área da piedade cristã do
quarto século, a qual fez dele um fenômeno original, ainda que muito afastado
das idéias do cristianismo do Novo Testamento.
Nosso propósito, no
entanto, não é mostrar, neste artigo, uma série de curiosidades e absurdos que
envolvem a construção do culto a Maria, o qual, diga-se de passagem, está eivado
de elementos não-cristãos. Ao contrário disso, iremos discutir sobre um problema
que, embora gravíssimo, pode ser solucionado e, portanto, tratado com
respeito.
A posição da igreja Católica é tentar justificar, por meio das
Sagradas Escrituras, os aspectos que envolvem o dogma mariano. Em algumas obras
católicas, alguns escritores procuram admitir que este ou aquele aspecto da
doutrina mariana (tais como: sua imaculada conceição, assunção e participação na
redenção do homem) não é explicitamente ensinado no Novo Testamento e muito
menos nos escritos dos primeiros padres4. O mesmo ocorre com o culto dos santos
e com a oração à Virgem Maria: “O culto aos Santos só começa a partir de cem
anos aproximadamente, depois da morte de Jesus, com uma tímida veneração aos
mártires. A primeira oração dirigida expressamente à Mãe de Deus é a invocação
Sub tuum praesidium, formulada no fim do século III ou mais provavelmente no
início do século IV. Não podemos dizer que a veneração dos santos – e muito
menos a da Mãe de Cristo – faça parte do patrimônio original”5.
Em seu
livro Papal Sin (Pecado papal), o historiador americano Garry Wills, católico
praticante, declara: “O culto à Virgem Maria inexiste nas Escrituras e entre os
católicos, durante quatro séculos é apenas um dos muitos abusos históricos que,
a seu ver, a Igreja cometeu. Exorbitância cujo ápice teria sido a idolatria à
Nossa Senhora de Fátima e aos mistérios a ela ligados, todos ‘manipulados pela
Igreja’ para fins políticos – além de discutíveis, na medida em que dois deles
referiam-se a previsões (supostamente feitas em 13 de julho de 1917) de fatos já
ocorridos ou em andamento (uma nova guerra mundial, um novo papa) quando sua
única testemunha viva, Lúcia, tornou-as públicas, em 1941”6.
Assim, na
concepção do referido historiador, o dogma mariano nada mais é do que a
construção da piedade e do pensamento teológico da Igreja, baseada em premissas
supostamente contidas (explícita ou implicitamente) no Novo Testamento.
O
padre Roschini, num breve catecismo popular, faz declarações daquilo que pode
ser chamado de leis intrínsecas do desenvolvimento do sistema mariano. E divide
essas declarações da seguinte maneira: um princípio primário e quatro
secundários. O princípio primário é a divina maternidade: “A mui bendita Maria é
Mãe de Deus, é a mediadora dos homens”. E não duvida de que desse princípio,
decorrente dos princípios secundários, “são deduzidas todas as vastas conclusões
da mariologia...”. Os princípios secundários são: singularidade, conveniência,
eminência e analogia com Cristo. Em suas próprias palavras, Roschini enuncia os
princípios secundários da seguinte forma:
1 “A bendita Virgem, sendo uma
criatura inteiramente singular e constituindo uma ordem à parte, tem direitos a
privilégios singulares, inacessíveis a qualquer outra criatura” (Princípio de
singularidade).
2 “À bendita Virgem devem ser atribuídas todas as perfeições
condizentes com a dignidade da Mãe de Deus e mediadora dos homens, desde que
tenham alguma base na revelação e não sejam contrárias à fé e à razão”
(Princípio de conveniência).
3 “Todos os privilégios de natureza, graça e
glória concedidos por Deus a outros santos devem também ser concedidos de algum
modo à Virgem Santíssima rainha dos santos” (Princípio de eminência).
4
“Privilégios análogos aos vários privilégios da humanidade de Cristo são
possuídos correspondentemente pela bendita Virgem, conforme a condição de um e
de outra” (Princípio de analogia ou semelhança com Cristo)7.
Por meio
desses princípios, é possível justificar todos os desenvolvimentos históricos da
piedade e do dogma de Maria. É ainda mais interessante notar que eles abrem
caminho para qualquer possível desenvolvimento no futuro. O dogma mariano,
delimitado por essas quatro categorias, não é uma teoria completa e fechada em
si mesma. É uma doutrina em evolução, poder-se-ia dizer um dogma aberto. Segundo
os quatro princípios acima expostos, tudo o que for possível afirmar como dogma
mariano pode ser aceito como desenvolvimento da divina maternidade e mediação de
Maria. De acordo com o princípio da singularidade, as celebrações a Maria jamais
serão hiperbólicas ou excessivas. Segundo o princípio de eminência, não existe
glorificação de santos ou mártires que não contribua para a glória de Maria. Já
o princípio de conveniência declara que por sua grandeza, como mediadora, Maria
tem perfeita semelhança com Cristo, o redentor, em divindade.
Indo mais
longe, Roschini afirma: “A divina maternidade a eleva a uma altura vertiginosa e
a coloca imediatamente depois de Deus na vasta escala dos seres, tornando-a
membro da ordem hipostática (na medida em que por ela e nela o Verbo está unido
hipostaticamente – isto é – pessoalmente – com a natureza humana), uma ordem
superior à da natureza e graça e glória. Por isso os padres e as Escrituras têm
quase esgotado seus recursos de linguagem em exaltá-la sem conseguir dar-lhe a
glória que merece. Sua grandeza confina-se com o infinito”8.
A Igreja
Católica pôs de lado o método de basear as doutrinas das Escrituras Sagradas com
a Tradição, substituindo-o pela autoridade docente do Magistério vivo,
centralizada no Papa que, segundo a Igreja, é infalível. É por esse motivo que
ela (a Igreja Católica) tem facilidade de definir, a seu bel-prazer, os dogmas
que prega como verdades reveladas, como, por exemplo, as doutrinas da Imaculada
Conceição de Maria e sua assunção ao céu em corpo e alma. Mas esses ensinamentos
não têm nenhum fundamento nas Escrituras, e muito menos na Tradição.
Como
a Igreja Católica usa esse “novo” instrumento (a autoridade docente do
Magistério vivo) ela está habilitada a dogmatizar sobre qualquer doutrina
apoiada pelo consenso geral dos fiéis, ainda que tal ensino seja estranho às
Sagradas Escrituras e à crença da igreja primitiva. Tanto é assim que já está em
franca elaboração outro dogma sobre um assunto ainda mais grave: a doutrina de
Maria co-redentora. O objetivo, com isso, é atribuir a Maria parte na obra
expiatória de Cristo. As autoridade da Igreja Católica acreditam que os
sofrimentos morais de Maria, ao contemplar a morte de seu Filho na cruz, fizeram
parte da obra redentora ali realizada. A humanidade é constituída por homens e
mulheres e, sem os sofrimentos vicários de uma mulher, junto com os do Homem
Deus, a expiação dos pecados humanos ficaria incompleta. É o que afirmam as
autoridades católicas. É uma heresia desse porte, baseada em argumentos tão
fracos, que está prestes a ser definida como dogma. O ímpeto de glorificar Maria
não tem limites pela Igreja Católica.
Não há nenhum vestígio de esperança
de que a Igreja Católica, um dia, possa modificar seus ensinamentos dogmáticos
sobre a Virgem Maria. Ainda que seus erros fossem reconhecidos por alguns de
seus membros, eles teriam de enfrentar a oposição da maioria, que jamais
concordaria com tal reconhecimento. Todavia, mesmo sem essa Capitis diminutio, a
Igreja Católica poderia reduzir, pouco a pouco, seu culto excessivo e idolátrico
às proporções naturais do justo respeito que a mãe de Jesus merece. Devido ao
excessivo culto a Maria, a figura de Jesus Cristo, no catolicismo, deixou de ser
central, restando-lhe apenas a posição de Senhor do além e Juiz do juízo
final.
Para que Cristo seja novamente reconhecido pelos católicos por sua
incomparável grandeza e senhorio, seria necessário uma revisão dogmática,
litúrgica e ética por parte da Igreja Católica. Neste caso, o único caminho
aberto para uma mudança é substituir os símbolos católicos já prestes a sofrer
deterioração psicológica por outros mais novos e frescos. A fatalidade no
catolicismo é que os cultos a Maria exigem sempre de seus adoradores os valores
cristãos de humanidade, de compaixão e de ascese interior.
Não obstante a
tudo isso, Cristo, naturalmente, não será esquecido. Permanecerá sendo o centro
das honras oficiais. O lado feio dessa “moeda”, porém, é que Maria continuará
sendo vista como a mediadora entre Cristo e os homens. Primeiro Maria, depois
Jesus Cristo. O que isso significa? Significa que a verdadeira força difusiva e
persuasiva e o verdadeiro fascínio religioso que atrai para si (a pessoa que
está sendo adorada) a fé e a devoção de multidões são inteiramente exercidos
pela Virgem Maria.
Com isso concluímos que, no catolicismo, o
cristianismo cedeu espaço para uma religião diferente. Bem
diferente!
Comparando as declarações sobre Maria com a Bíblia, chegamos à
conclusão de que o culto a ela prestado é impróprio.
A) Nenhuma criatura
deve ser adorada, a não ser Deus: Pai, Filho e Espírito Santo (Ap
5.11-13).
B) O culto à criatura foi rejeitado, e essa rejeição ainda
permanece (At 10.25,26; Cl 2.18; Ap 19.10; 22.8-9).
C) Devemos orar
diretamente ao Deus Pai, (Mt 6.6-13) em nome de Jesus (Jo 16.23-24). Ou, então,
diretamente a Jesus (At 7.59-60; 1 Co 1.2; 2 Co 12.8; Ap 22.10).
D) A
idolatria é fortemente condenada na Bíblia e acarreta perdição eterna (Is 45.20;
Ap.21.8; 22.15).
E) Jesus é o Deus Criador, juntamente com o Pai e o Espírito
Santo (Gn 1.26; 1.1-3; Jó 33.4; Cl 1.15-16). Assim, Ele é o Pai de Maria pela
sua natureza divina e mais antigo que ela (Jo 17.5, 24; Hb 13.8); ao tomar a
forma humana (Jo 1.14), era chamado de filho (Mt 1.25; 12.46-50).
F) Maria
não era isenta de pecado (Rm 3.23) e ela mesma declarou que Deus era o seu
Salvador (Lc 1.46-47).
G) Maria não foi assunta ao céu em corpo glorificado.
Está no paraíso celestial consciente de sua felicidade pessoal (1 Co 5.6-8; Fp
1.21-23). Quando o Senhor Jesus voltar, ela fará parte da primeira ressurreição
e subirá ao céu num corpo glorificado (1 Ts 4.13-17; 1 Co 15.51-54);
H) Maria
não é cheia de graça, mas achou graça diante de Deus ao ser escolhida para ser a
mãe do Salvador (Lc 1.30). Só Jesus é cheio de graça (Jo 1.14).
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