“Assim temiam ao SENHOR, mas também serviam a seus deuses, segundo o costume das
nações dentre as quais tinham sido transportados” (2Rs 17.33)
Monoteísmo
é a crença em um único Deus, o que o difere do paganismo e de religiões como o
hinduísmo que, oficialmente, acredita na existência de vários deuses. No mundo
existem apenas três grandes religiões reconhecidamente monoteístas, isto é, que
crêem em um único Deus: judaísmo, cristianismo e islamismo. Embora apresentando
características distintas, as teologias dessas religiões não admitem a
existência de outra ou de outras divindades.
Todavia, este monoteísmo se
deteriora muitas vezes em um politeísmo disfarçado, que não fica longe do
paganismo evidente. Algumas vertentes dessas religiões mantêm certo monoteísmo
em seu credo, mas sua prática está repleta de envolvimento com outros deuses.
Esse fenômeno só não ocorre dentro do judaísmo e do protestantismo, que
se mantêm estritamente monoteístas, tanto em sua teologia quanto em sua prática
devocional. As demais religiões, mesmo as que se intitulam monoteístas,
apresentam, oficialmente ou não, formas de cultos a outros tipos de divindade.
Mesmo alguns segmentos do cristianismo ou de outras religiões que se intitulam
cristãs são, na prática, politeístas.
O que é um deus?
O
Novo Dicionário Aurélio define o conceito de Deus/deus da seguinte forma, pontos
2 e 3: “Ser infinito, perfeito, criador do Universo. Nas religiões politeístas,
divindade superior aos homens, é à qual se atribui influência especial, benéfica
ou maléfica, nos destinos do Universo”.
Ao menos em teoria, é possível
que as religiões envolvam todos estes conceitos, ou mais, porém, a revelação
bíblica só admite o primeiro. O cristianismo autêntico é mais do que doutrina
verdadeira (ortodoxia), é a prática do culto verdadeiro (ortopraxia). É um
grande engano supor que a simples adesão intelectual a um credo torna o homem
aceitável a Deus, enquanto na prática ele continua invocando, adorando ou se
envolvendo espiritualmente com falsos deuses. O rótulo de “cristão” utilizado
por diversos grupos, como espíritas, racionalistas, etc., é insuficiente para
que os homens tenham um relacionamento verdadeiro com Deus, uma vez que as
pessoas observam práticas pagãs e idólatras.
O Senhor ordenou: “Não terás
outros deuses diante de mim” (Êx 20.3). O exclusivismo da Divindade não vai
apenas até a formulação de um credo, mas está no âmago do verdadeiro
relacionamento entre Deus e o homem. Se o primeiro mandamento não for respeitado
na prática, o homem não obterá uma verdadeira relação com o Deus vivo,
independente de quantos conceitos corretos possa apresentar na
teoria.
Mediador e mediadores
“Porque há um só Deus, e um
só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1Tm 2.5).
O
problema das religiões que adotam o monoteísmo na teoria e praticam um tipo de
politeísmo está na adoção dos mediadores. Enquanto a Bíblia definitivamente
coloca Jesus como o único mediador entre Deus e os homens, pelo fato de Ele ser
o único ser em todo o Universo que assumiu as duas naturezas, os referidos
grupos reconhecem outros mediadores que acabam assumindo o papel de “deuses’’.
Enquanto o livre acesso a Deus é garantido nas Escrituras (Ef 2.18; 3.12), esses
grupos “se utilizam” de outros seres para conseguir este acesso.
Jacques
Doyon, grande teólogo católico, por exemplo, assim se expressa sobre este
assunto: “Os anjos, os santos e a Virgem exercem também certa influência sobre a
nossa salvação, mais ou menos larga, segundo sua importância, embora sua
mediação não possa ser colocada em pé de igualdade com Cristo...”.1
Conseqüentemente, ao rejeitar a exclusividade da mediação de Cristo a pessoa
nega também a exclusividade de sua Divindade.
Semelhante erro ocorre no
espiritismo kardecista. Mesmo admitindo a existência de um único Deus, as
orações sofrem mediação dos “espíritos” e, assim, no lugar de um relacionamento
com Deus, o relacionamento passa a ser com estes seres, enganosamente
classificados como “espíritos de luz”. “Quando alguém ora a outros seres que não
a Deus, fá-lo recorrendo a intermediários, a intercessores, porquanto nada
sucede sem a vontade de Deus”.2
Catolicismo romano
Vejamos
o discurso dos padres do baixo clero, durante a Idade Média: “Guardai-vos meus
filhos, da cólera dos santos! São todos eles bondosos e cheios de amor. Mas ai
dos que não os cultuam devidamente! Recebem como castigo horríveis doenças que
lhe cobrem o corpo de chagas. São Sebastião, por exemplo, foi o criador da
peste. Seus devotos escapam desse terrível mal [...] Aliás, é bom não esquecer
de rezar para os demais santos encarregados de conter a peste: São Roque, São
Gil, São Cristóvão, São Valentino e São Adrião. Não convém recorrer unicamente a
São Sebastião. Os outros podem se sentir ofendidos”.3
O romanismo é a
expressão mais evidente de como uma religião pode ser monoteísta em seus
fundamentos e politeísta em suas práticas. Principalmente porque leva o título
de “cristianismo”. Contudo, um pouco de bom senso é suficiente para perceber a
distância existente entre o cristianismo neotestamentário e o cristianismo
romano. Esta distorção geralmente é maquiada com inúmeras sutilezas teológicas,
com argumentos sofismáticos e emocionalismo. Mesmo assim é difícil não
reconhecer a semelhança existente entre o paganismo comum e o catolicismo
popular.
“Em Roma, a corporação [profissionais de um mesmo ramo reunidos
em uma organização] era, sobretudo, um colégio religioso. Tinha seu deus
particular, seu culto, suas festas [...] Embora as corporações medievais não
fossem idênticas às romanas teriam mantido o caráter forte de uma autoridade
moral. Freqüentemente tinham como sede uma paróquia ou capela particular, e
cultuavam a um santo que era o patrono da corporação”.4
Os deuses pagãos
romanos foram simplesmente substituídos pelos santos. As deusas, igualmente,
foram trocadas pelas “nossas senhoras”. Assim como cada deus tinha uma função
particular (deus do fogo, da caça, do mar, etc.), os santos também são
funcionais (um protege os motoristas, outro protege das doenças, outro das
dívidas, etc.). Assim como os deuses eram locais, ou seja, pertenciam a
determinada cidade e a protegiam, assim também os santos são “padroeiros” de
algumas cidades que, muitas vezes, levam seus nomes.
Isso sem falar no
sincretismo extremo encontrado não só no Brasil como também em muitas partes do
mundo, onde os cultos locais absorveram o catolicismo e continuaram a ser
praticados com uma roupagem cristã. Um exemplo claro e peculiar do Brasil foi a
identificação dos orixás dos cultos afros com os “santos, santas e nossas
senhoras” do catolicismo português.
Kardecismo
O conceito
de Deus, utilizado por Alan Kardec, foi extraído diretamente do pensamento
judaico-cristão. Mesmo que o kardecismo não aceite definitivamente a natureza
Trina de Deus, nos demais aspectos é muito fácil perceber que quando se refere a
Deus está-se referindo ao Deus cristão. “Entretanto, desde que admita a
existência de Deus, ninguém o pode conceber sem o infinito das perfeições. Ele
necessariamente tem todo o poder, toda a justiça, toda a bondade, sem o que não
seria Deus”.5 Sendo assim, podemos considerar o espiritismo kardecista uma
religião monoteísta. Aliás, esse segmento espírita pode, mais do que qualquer
outro, ser chamado de espiritismo cristão (embora, na prática, isto seja um
contra-senso), visto o uso deliberado que Kardec faz dos evangelhos.
Este
conceito monoteísta, todavia, não impede o relacionamento espiritual com outros
seres, por meio da oração e dos diálogos. Na prática, o contato, a manifestação
e a “bênção” dos espíritos são o centro do kardecismo, e não Deus ou Jesus
Cristo. Absolutamente!
“As preces feitas a Deus escutam-nas os espíritos
incumbidos da execução de suas vontades; as que se dirigem aos bons espíritos
são reportadas a Deus. Quando alguém ora a outros seres que não a Deus, fá-lo
recorrendo a intermediários, a intercessores, porquanto nada sucede sem a
vontade de Deus [...] É assim que os Espíritos ouvem a prece que lhes é dirigida
[...]”.6
Como no catolicismo, o kardecismo substitui os santos pelos
espíritos e passa a se relacionar espiritualmente com eles. A citação que Kardec
faz do segundo mandamento deixa margem para uma adoração secundária ao lado do
que ele chama de “culto soberano a Deus”. Veja sua declaração: “Não fareis
imagem esculpida, nem figura alguma do que está em cima no céu, nem embaixo na
terra, nem do que quer que esteja nas águas sob a terra. Não os adorareis e não
lhes prestareis culto soberano”.7
Com este argumento, abre-se espaço para
um culto “relativo” aos espíritos, muito semelhante ao que existe no
catolicismo, separando latria, dulia e hiperdulia8, como se a mera alteração dos
termos pudesse anular os efeitos da idolatria sobre a
humanidade.
Islamismo popular
O primeiro artigo de fé dos
muçulmanos é uma declaração explícita de seu monoteísmo: “Só há um Deus, Alá, e
Maomé é o seu profeta”. Esta profissão de fé foi sempre o âmago da mensagem
islâmica. Devido a isto, seria difícil imaginar que a fé muçulmana pudesse, de
alguma forma, tornar-se politeísta em suas práticas.
Convém lembrar,
porém, que a maior parte das “conversões” dos povos ao islamismo se deu sob a
ponta de uma espada. Logo, não é de admirar que os neófitos, com o passar do
tempo, buscassem fazer algum tipo de sincretismo entre a crença monoteísta
muçulmana e suas crenças politeístas culturais, tal qual aconteceu com alguns
povos da Europa Medieval ou com os escravos africanos trazidos ao
Brasil.
Basta a um povo encontrar e fundir pontos semelhantes entre sua
cultura e uma religião imposta para que o sincretismo seja realizado. Este fato
não é, de forma alguma, ignorado pelos muçulmanos. Fazlur Rahman, historiador
muçulmano, assim se refere às práticas politeístas dentro do islamismo: “A
crença generalizada neste tipo de bênção levou à veneração e adoração dos
túmulos dos santos (islâmicos) e de outras relíquias. Ainda se realizam
anualmente peregrinações ao túmulo desses santos”.9
A verdade é que o
sufismo, um movimento místico dentro do islamismo tradicional, sempre exerceu
grande influência nas camadas populares. E o sufismo realizou, muitas vezes, um
sincretismo entre o islamismo e as religiões tribais, como admite o próprio
Fazlur: “...O sufismo envolvia uma desconcertante tendência de compromisso com
crenças e práticas populares das massas semiconvertidas e mesmo nominalmente
convertidas. Dentro dessa amplidão que desde o princípio foi latente no sufismo,
permitiu uma heterogênea mistura de atitudes religiosas herdadas do passado dos
novos convertidos, que vai desde o animismo africano até o panteísmo
indiano”.10
J. Dudley Woodberry, professor associado de estudos islâmicos
na Escola de Missões Mundiais do Seminário Teológico Fuller, fez uma excelente
pesquisa na qual distinguiu, dentro do islamismo, duas correntes: o islamismo
formal, ideal, ou ortodoxo, que classificou de “alto”, e o islamismo popular,
que classificou de baixo. Mesmo sentindo certo peso por relacionar-se com seres
os quais chamam de tonongues, os muçulmanos das filipinas, por exemplo,
geralmente pedem para que esses tonogues sirvam de intermediários. E justificam:
“Deus criou os tonongues e lhes deu poder”.11
O islamisno popular, embora
rejeite o politeísmo na teoria, na prática, porém, foi absorvido pelo islamismo
oficial em um esquema semelhante ao catolicismo que, apesar de dizer que condena
a idolatria, faz vistas grossas para ela ou, de forma velada, estimula a fé
popular nos santos e nas “nossas senhoras”. “A interação entre o islamismo ideal
e o popular tem tido lugar desde o surgimento do islamismo. A nova fé foi, ao
mesmo tempo, combatida e colorida pelo animismo existente na Arábia. Pedras,
fetiches, árvores sagradas foram rejeitados como objetos dotados de poder; e, no
entanto, os muçulmanos sempre trataram a Pedra Negra [aliás, objeto de culto das
tribos árabes primitivas desde a Era pré-islâmica] e a água Zam Zam, existentes
no santuário de Meca, como fontes de poder e de bênção”.12
Para termos
uma idéia de até que ponto vai esse sincretismo, e quão presente está no
islamismo, basta frisar que na África Ocidental as pessoas rezam aos ancestrais,
a fim de adquirir poder. Conforme vão-se “islamizando”, mais e mais vão rezando
a Deus, por meio dos ancestrais.
Sendo assim, essa imagem de um
monoteísmo sólido, vendida ao mundo pelo islamismo, não corresponde inteiramente
aos fatos. Os líderes islâmicos estão plenamente cônscios de um culto paralelo
aos santos, aos ancestrais, aos objetos e até mesmo ao próprio
Maomé.
Resumindo...
Estes poucos pontos, aqui expostos, são
suficientes para mostrar que a insistência do protestantismo, ou melhor, da fé
evangélica, no padrão sola scriptura (somente a Escritura), nunca será
demasiada. O menosprezo dos conceitos teológicos da Bíblia como afirmações
absolutas das verdades divinas facilmente leva a uma frouxidão doutrinária que
com certeza resulta em práticas espirituais duvidosas.
“Ouve, Israel, o
Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Dt 6.4).
Esta verdade, tão vital
para a humanidade, ainda que aceita por muitos, tem sido ardilosamente
distorcida, maquiada e anulada pelas primitivas práticas pagãs. Sob a roupagem
monoteísta e até mesmo cristã se escondem práticas politeístas e idólatras que
precisam ser desmascaradas e confrontadas com o verdadeiro culto a
Deus.
Só a Deus devemos tributar glória e louvor para todo o sempre!
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