A eucaristia é um dos sete sacramentos da Igreja Católica. Segundo o dogma
católico, Jesus Cristo se acha presente sob as aparências do pão e do vinho, com
seu corpo, sangue, alma e divindade. Isto é o que geralmente se entende por
transubstanciação.
A doutrina da transubstanciação não tem respaldo
bíblico. Ao longo de sua história, nem todos os representantes da Igreja
Católica concordaram com essa doutrina, entre eles podemos citar os papas
Gelásio I e Gelásio II, São Clemente e Agostinho, entre outros.
A
tradição da Igreja Católica, além de tropeçar nas metáforas e figuras da Bíblia
na questão da eucaristia, que por si mesma já é uma aberração teológica,
consegue embutir nela mais algumas heresias, como a ministração de apenas um só
dos elementos aos fiéis — a hóstia. Segundo essa doutrina, a hóstia preserva o
comungante de pecados, tem poder para ajudar os mortos e, pasmem!, pode ser
adorada. Tais heresias não têm o mínimo fundamento bíblico, entretanto, são de
vital importância dentro da dogmática do catolicismo romano e, por isso, ainda
estão de pé.
É preciso salientar ainda que a confecção da hóstia teve sua
origem no paganismo, sendo, portanto, plagiada e inserida no bojo doutrinário da
igreja romana.
A hóstia passou a substituir o pão da ceia somente no ano
de 1200. É algo impar, especial, fabricada com trigo e sempre redonda. Por
ocasião da festa de Corpus Christi1, o “Santíssimo Sacramento” é levado às ruas
em procissão dentro de uma patena2 de ouro representando um sol. Podemos
constatar nesse ato uma flagrante analogia com as religiões pagãs da
antiguidade. Conta-se que a deusa Ceres3 era adorada como a “descobridora do
trigo” e, por conta disso, representada com uma espiga de trigo nas mãos. Tal
representação correspondia à deusa Mãe e seu filho. O filho de Ceres, que se
encarnara no trigo, era o deus Sol. Compare essa afirmação com a doutrina
católica que transformara Jesus num pedaço de pão de trigo no formato
arredondado do sol cujo ostensório4 também tem um desenho com raios
solares.
Por que só a hóstia?
O estudante de história da igreja
sabe perfeitamente que nenhuma doutrina católica advinda da chamada “Tradição
Oral”5 pode ser substanciada, quer na história dos primeiros séculos da igreja,
quer na Bíblia! Nesta última, muito menos.
Os apóstolos seguiram o
costume bíblico de ministrar a ceia sob esses dois emblemas: pão e vinho. A
igreja pós-apostólica6 também seguiu o mesmo exemplo, como vemos ao analisar as
obras patrísticas7 dos primeiros séculos. Os católicos precisam rodear e florear
suas explicações para esclarecer o fato de o sacerdote dar apenas um dos
emblemas (pão) ao fiel, o que é uma clara desobediência ao mandamento do Mestre.
Jesus foi taxativo ao dizer “bebei dele TODOS”. Essa ordem de fato não se pode
cumprir na Igreja Católica. Por mais argumentos que inventem, a verdade continua
inalterável: Jesus e os apóstolos nunca mudaram o mandamento. Portanto, Jesus
instituiu as duas espécies (Mt 26.26,28), e os apóstolos seguiram esta ordenança
(1Co 11.23-28). Isto só veio a ser mudado nos concílios de Constança8 e,
posteriormente, reafirmado no de Trento9. No entanto, voltamos a reafirmar que a
ordem de Cristo foi mais que explícita: “Na verdade, na verdade vos digo que, se
não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis
vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida
eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne verdadeiramente
é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha carne e
bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6. 53-56; grifo do
autor).
Esse trecho das Escrituras levou dois clérigos da Igreja
Católica, Jacobel de Mysa e João de Leida (séc. XIV), a voltarem ao princípio
das duas espécies e logo se empenharam em espalhar isto na cidade de Praga, e
não demorou muito, logo toda a Boêmia se declarou a favor. Mais tarde, João Huss
foi para a fogueira papal por defender essa doutrina bíblica.
Ora, Jesus
não foi explícito ao dizer que quem não bebe o seu sangue não tem parte com ele
e não tem a vida eterna? Isto não serviria como uma grande advertência aos
católicos? Não estariam correndo o risco de não terem parte na vida eterna?
Porque na prática não bebem do sangue como disse Jesus! Se as duas espécies
fossem coisa de somenos importância, de certo Jesus teria instituído uma espécie
apenas: somente o pão. É certo que as Escrituras nunca fazem qualquer menção de
que Cristo esteja com seu sangue embutido no pão. A linguagem usada é por demais
contundente: comer e beber, pão e vinho, carne e sangue. A igreja romana tem
alterado o mandamento original recusando-se a seguir o exemplo de Jesus e dos
apóstolos e tem abandonado a prática de toda a igreja primitiva; prova disso é a
Igreja Ortodoxa, que é tão antiga quanto a romana, e mesmo assim ainda preserva
o costume bíblico de ministrar o pão e o vinho aos fiéis. Por outro lado, as
igrejas evangélicas têm seguido a mesma prática instituída por Cristo sem
alterações e, por isso, podem usufruir das bênçãos advindas dessas duas
espécies, algo que não se dá na Igreja Católica.
O que significa
discernir o corpo do Senhor?
Dentro da teologia existe uma disciplina
chamada hermenêutica. O que é hermenêutica? Em toscas palavras, hermenêutica
nada mais é do que a ciência de interpretar textos antigos, sendo uma das
matérias de estudo no campo do Direito. Dentro do contexto teológico é a arte de
interpretar a Bíblia. Dentre as inúmeras regras, a mais salutar e primordial de
todas é a do exame do contexto. Vamos aplicá-la aqui.O texto em lide reza:
“Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação,
não discernindo o corpo do Senhor” (1Co 11.29).
Entre os cristãos daquela
época existia uma festa chamada “Festa Ágape” ou festas de amor (Jd 12). Era
comum entre os cristãos celebrarem a ceia com esta refeição, destinada a ajudar
os pobres (esta prática perdurou até na época de Justino, o mártir: 100-170
).
Corinto era uma igreja problemática em termos de doutrinas (véu, dons
espirituais, batismo, brigas, divisões e Santa Ceia), e eles não estavam
discernindo o real objetivo de suas reuniões (v. 17,18-20). Para eles, aquilo
era apenas uma festa como as demais festas mundanas da sociedade grega (Corinto
era grega) da qual tinham vindo. Então, quando se reuniam, todos se embriagavam
(v. 21), como faziam antes de se converterem, e não discerniam que aquilo era
muito mais que uma festa, devia ser observada “em memória” de Cristo (v. 25).
Por isso as pessoas deveriam examinar a si mesmas antes de tocar no pão e no
cálice (v. 28), pois correriam o risco de tomarem a ceia de modo indigno, fora
do propósito para a qual fora estabelecida, ou seja, para a comunhão e não
divisão dos fieis (v. 18). Isto é o que o apóstolo Paulo queria dizer com
“discernir o corpo do Senhor”. Não há nada que insinue no texto a herética
doutrina da transubstanciação. O contexto, quando analisado honestamente, não
comporta tal idéia. Logo, qualquer conclusão que passar disso não é
verdadeira.
Os disparates dessa doutrina
Ensina a teologia
católica a transubstanciação (alteração de substância) durante a eucaristia.
Após serem consagrados os elementos, pão e vinho, pelo padre e repetidas as
palavras de Cristo, “isto é o meu corpo” e “isto é o meu sangue”,
misteriosamente o pão se transforma na carne de Cristo e o vinho, no sangue.
Levando as palavras de Cristo a um “literalismo” bruto, interpretam ser o pão o
próprio corpo de Cristo presente na hóstia. Essa doutrina é baseada
principalmente no trecho do evangelho de João 6.53: “se não comerdes a carne do
Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos”.
Contudo, daremos algumas razões de nossa rejeição a essa doutrina errônea e
perigosa.
1. Se na frase “isto é o meu corpo” o verbo “ser (é)” implica a
conversão literal do pão no corpo de Cristo, segue-se igualmente que nas
palavras “eu sou o pão da vida” (Jo 6.35) o verbo “ser (sou)” deve implicar
igual mudança, ensinando-nos que Cristo se converte no pão, de modo que, se o
primeiro é uma “prova” da transubstanciação, o segundo demonstra necessariamente
o contrário; se o primeiro demonstra que o pão pode converter-se em Cristo, o
segundo demonstra que Cristo pode converter-se em pão, o que é um verdadeiro
absurdo, mas é isto o que a lógica dessa filosofia nos leva a
entender.
2. Se acreditarmos que nesse episódio Jesus estava se referindo
à eucaristia, então forçosamente ninguém pode se salvar sem o sacramento, e todo
aquele que o recebe não pode se perder. Seria sempre necessário ao fiel
comungar-se para não perder a bênção da vida eterna. E aqueles que não podem
tomá-la? Estariam destinados ao inferno? Crêem os católicos que todo aquele que
comunga tem a vida eterna? Pois Jesus disse que, sem exceção, “todo aquele” que
comesse a sua carne teria de fato a vida eterna. E o que dizer então daqueles
que bebem indignamente (1Co 11.28)? Tal é a contradição e confusão que nos
mostra tão descabida teoria se levada ao pé da letra.
3. Esse ponto já
foi tratado acima, mas vamos reforçá-lo aqui. Ora, se tomadas literalmente essas
palavras, o beber o sangue é tão importante quanto o comer a carne. Em outras
palavras, é tão necessário comer o pão (hóstia) como beber o cálice (vinho). E
por que então o padre nega aos fiéis esse direito, desobedecendo a
Bíblia?
Analisando João 6
Diz o padre Alberto Luiz
Gambarini10: “Jesus não deixou dúvidas quanto a esta questão: a eucaristia ou
ceia não é uma mera lembrança, e sim a presença por inteiro de Jesus
Cristo”.11
Pois bem, analisemos essa questão dentro de seu contexto
imediato, pois tais palavras tomadas isoladamente e sem explicação podem ter um
sentido, mas dentro do seu respectivo contexto, levando em consideração a
aplicação que o Senhor lhes deu, têm outro sentido bem
distinto.
“Respondeu-lhes Jesus: Na verdade, na verdade vos digo que me
buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos
saciastes. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece
para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus,
o selou” (Jo 6.26,27; grifo do autor). Essas palavras deram princípio ao
discurso e são a chave para compreendermos o sentido exato e a razão pela qual
Jesus usou a linguagem figurada “comer” e “beber”.
A única dificuldade
que há para a compreensão desse discurso de Jesus está relacionada à falta de
consideração à figura que lhe deu origem; ou seja, os judeus seguiam Jesus por
causa do milagre dos pães, por causa do alimento material. Ao contrário, Jesus
elucida que a comida que ele tem é algo maior: “a comida que permanece para a
vida eterna” (v. 27). Então, os judeus apelam para o episódio do maná que desceu
do céu. Jesus explica que o verdadeiro pão não era o maná, mas que o pão
verdadeiro é outro, o próprio Cristo. Daí, disseram os judeus: “Senhor, dá-nos
sempre desse pão” (Jo 6.34).
Até aqui, percebemos que os judeus não
estavam entendendo a mensagem de Jesus e, por isso, interpretava-o de modo
literal, assim como os católicos fazem. Jesus então explica que o sentido de sua
mensagem era simbólico, espiritual, não literal: “E Jesus lhes disse: Eu sou o
pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá
sede” (Jo 6.35). Esse versículo é muito importante, pois nos explica que comer a
carne e beber o sangue de Jesus é somente crer e ter fé nele, recebendo-o; nada
mais que isso. É justamente isso que significa o alimento do seu corpo:
“Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o
Filho, e crê nele, tenha a vida eterna” (Jo 6.40). Jesus rechaça qualquer tipo
de confusão quanto a isso quando arremata: “O espírito é o que vivifica, a carne
para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida” (Jo
6.63). Jesus estava falando espiritualmente, não fisicamente. Estava explicando
que a vida vem por meio da fé nele, e não comendo o seu corpo.
Então,
como explicar esse versículo: “...e o pão que eu der é a minha carne, que eu
darei pela vida do mundo” (Jo 6.51)? Será que com isso Jesus não estava
ensinando sobre a eucaristia, quando os seus seguidores iriam alimentar-se dele
por meio da hóstia num tempo futuro? Não necessariamente. A Bíblia ensina, sem
sombra de dúvidas, que a vida eterna viria por meio de sua morte na cruz, dando
seu corpo, isto é, sua carne para ser sacrificada. E isso está em perfeita
concordância com o restante das Escrituras. Veja como o apóstolo Paulo entendeu
essa questão: “Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e,
derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a
inimizade” (Ef 2.14).
A Bíblia nos diz que Cristo realmente deu seu
sangue e sua carne ao mundo para alcançarmos a vida eterna. Vejamos: “E que,
havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse
consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão
nos céus. A vós também, que noutro tempo éreis estranhos, e inimigos no
entendimento pelas vossas obras más, agora contudo vos reconciliou no corpo da
sua carne, pela morte, para perante ele vos apresentar santos, e
irrepreensíveis, e inculpáveis” (Cl 1.20-22) e “Pelo novo e vivo caminho que ele
nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne” (Hb 10.20).
A conclusão
a que chegamos, lendo o contexto, é que o “alimentar-se” de Jesus (seu corpo),
por meio da sua carne e do seu sangue, é a mesma figura de linguagem utilizada
por ele em João 4.14: “Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá
sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para
a vida eterna”. Assim como essa “água” era espiritual, a bebida e a comida
também, tanto é que quando os discípulos entenderam de modo literal essa
mensagem Jesus prontamente os corrigiu explicando que: “O espírito é o que
vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito
e vida” (Jo 6.63). O “alimentar-se” de Cristo seria “crer nele”, quando então o
Pai entregaria seu Filho na cruz para ser sacrificado por nossos pecados. Muitos
pais da igreja primitiva concordavam com este ponto de vista, entre eles
Agostinho, considerado um dos maiores doutores da Igreja
Católica.
Lembrança ou presença real?
“Isto é o meu corpo
que é partido por vós; fazei isto em memória de mim” (1Co 11.24)
Esse é o
argumento mais repetido entre os católicos para sustentar a transubstanciação.
Não há algo mais claro nessa passagem do que a verdade de que aquilo era
realmente o corpo de Cristo, dizem os católicos.
Não precisamos nos
esforçar muito para desfazer essa interpretação, basta-nos apenas recorrer ao
contexto. Ora, é importante entender que Jesus instituiu a Santa Ceia na ocasião
em que estava comendo a ceia pascal. Sem dúvida, ele recordava de que aquela
Páscoa foi instituída para comemorar, pela aspersão do sangue do cordeiro, a
saída dos israelitas do cativeiro do Egito.
O pão que Jesus tomou e
abençoou e deu aos discípulos era o pão pascal. Muitos católicos dizem que Jesus
não comeu aquele pão, mas tal assertiva se mostra falsa quando lemos que Jesus
iria comer realmente aquela comida, veja: “E mandou a Pedro e a João, dizendo:
Ide, preparai-nos a Páscoa, para que a comamos [...] E direis ao pai de família
da casa: O Mestre te diz: Onde está o aposento em que hei de comer a páscoa com
os meus discípulos?” (Lc 22.8,11; grifo do autor).
Todas as suas ações e
palavras tinham alguma relação com a antiga Páscoa. Tendo isso em vista, devemos
procurar na antiga festa uma explicação para a Santa Ceia que ele iria
substituir, pois ele (Jesus) é a nossa Páscoa (1Co 5.7).
Quando Moisés
instituiu a Páscoa, mandou os israelitas comerem a carne e aspergirem o sangue
do cordeiro em suas casas (Êx 12.7,8). Só que o cordeiro que comiam não era a
“Páscoa”, pois tal palavra é derivada do verbo pasah, que significa “passar por
cima”, dando a idéia de “poupar e proteger” (Êx 12.13).
A Páscoa do
Senhor era o “passar do anjo por toda a terra do Egito”. Vê-se, pois, que o ato
de passar por cima das casas dos israelitas era uma coisa e o cordeiro que os
israelitas comiam era outra essencialmente distinta: uma era um fato e a outra,
a recordação desse fato.
Embora Moisés tivesse dito a respeito do
cordeiro: “É a Páscoa” (a passagem do Senhor), isso não significa, porém, que
quisesse dizer que o cordeiro que os israelitas tinham assado e estavam comendo
poderia ter-se mudado ou transformado no ato de passar o Senhor por cima das
casas. O sentido simplesmente era: “É uma recordação da Páscoa ou da passagem do
Senhor”. Temos, pois, aqui, um exemplo clássico dessa figura de retórica pela
qual se dá o nome da coisa que ela recorda, ou se põe o sinal pela coisa
significada. Quando, pois, as famílias se reuniam em torno da mesa para comer a
Páscoa, o chefe da família dizia: “Esta é a Páscoa do Senhor”, quando, na
verdade, estava querendo dizer o seguinte: “Esta é a recordação da Páscoa do
Senhor”.
Pois bem, fincado na essência dessa celebração, Jesus certamente
se valeu da mesma expressão conhecidíssima dos israelitas. Depois de a Páscoa
ter sido abolida e substituída pela Santa Ceia, Jesus serviu-se da mesma
expressão de que tinha feito uso na celebração antiga. Era natural que, do mesmo
modo que tinha dito da Páscoa “Esta é a Páscoa do Senhor”, recordando-se do que
fora feito na época de Moisés, Jesus usasse também mui naturalmente as palavras
“Isto é o meu corpo” ou “Isto é o meu sangue”, para significar que aquele rito
devia ser usado como recordação do seu corpo e do seu sangue oferecidos na cruz,
sendo ele o verdadeiro cordeiro de Deus (Jo 1.29) que nos libertou do cativeiro
do pecado.
Os discípulos, por serem judeus versados nas Escrituras,
estavam, por certo, familiarizados com tais figuras de linguagem (Sl 27.1,2; Is
9.18,20; 49.26), não lhes sendo difícil entender o que Jesus queria lhes dizer.
Pois, antes disso, haviam ouvido o seguinte de Jesus: “Eu sou a porta” (Jo
10.7), “Eu sou o caminho” (Jo 14.6) e “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12), e
entenderam perfeitamente a linguagem.
Então, quando Jesus, ao distribuir
os elementos da ceia (pão e vinho), disse: “isto é o meu corpo” e “isto é o meu
sangue”, ele estava falando de maneira figurativa. Tanto é que ordenou: “fazei
isto em memória de mim”. Assim, temos razão para crer que a ceia era uma
comemoração ou lembrança de sua morte na cruz, e devemos prosseguir fazendo isso
(ou seja, celebrando a Santa Ceia) até que ele venha.
Veja que mesmo
depois de ter sido consagrado por Jesus, o vinho continuou sendo vinho, o que
serve para corroborar o nosso ponto de vista: “Porque vos digo que já não
beberei do fruto da vide [não disse meu sangue], até que venha o reino de Deus”
(Lc 22.18).
Paulo simplesmente considerava os elementos da Santa Ceia
como pão e vinho, e não o corpo do Senhor transubstanciado: “Semelhantemente,
depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança no meu
sangue; fazei isto todas as vezes que beberdes, em memória de mim. Pois todas as
vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor,
até que ele venha. Portanto, qualquer que comer o pão ou beber o cálice do
Senhor, indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se o
homem a si mesmo antes de comer deste pão e beber deste cálice” (1Co
11.25-28).
O pão representava o corpo do Senhor e o vinho, o sangue.
Todas as vezes que nos reunimos para celebrar a Santa Ceia fazemos isto sempre
em memória do Senhor, pois ele mesmo disse: “fazei isto em memória de
mim”.
Não podemos sacrificar Cristo novamente (Hb 7.24,27)!
Os
contra-sensos da transubstanciação
Por darem ouvido ao dogma da
transubstanciação, os católicos, além de incorrerem num terrível engodo, acabam
por abraçar uma teoria fictícia. Vejamos:
*Se naquela ocasião em que
Jesus disse “Isto é o meu corpo” realmente tivesse ocorrido a tão propalada
“transubstanciação”, então somos levados a acreditar que existiam naquele
momento dois corpos do Senhor. Levando esse dogma às últimas conseqüências,
teremos isto: Jesus pegou aquele pedaço de pão, já transformado em seu corpo
(com divindade e alma, segundo crêem os católicos) e deu-se a si mesmo para seus
discípulos comerem. Depois de terem comido o corpo do Mestre, os discípulos
sentaram-se ao seu lado. E mais: Jesus também teria comido e engolido a si
próprio, pois certo é que ele também participou da ceia!
*Se tal pão
consagrado tivesse sido comido acidentalmente por um roedor, dar-se-ia o caso de
o animal também ter engolido o Cristo com seu corpo, alma e
divindade.
*Se a hóstia se estragar e apodrecer, seria o caso de o corpo
de Cristo, que está nesse elemento, apodrecer também. Então, como fica Atos
2.31, que diz que a carne de Cristo não se corrompe?
*Se o que dá vida é
o espírito, por que Deus se faria carne por meio da hóstia para nos
vivificar?
*Se Cristo nos ordenou que celebrássemos a cerimônia até que
ele voltasse, conforme 1Coríntios 11.26, como pode estar presente na hóstia? Se
ele virá, quer dizer que não está! Devemos ressaltar que tal vinda é
escatológica, quando Cristo virá em corpo, pois, espiritualmente, ele está
conosco todos os dias (Mt 18.20, 28.20) e esta promessa não tem nada que ver com
a Santa Ceia.
*O papa Pio IX se vangloriava com o dogma da
transubstanciação, dizendo: “Não somos simples mortais, somos superiores a
Maria. Ela deu à luz um Cristo só, mas nós podemos fazer quantos cristos
quisermos; nós, os padres, criamos o próprio Deus”.
Uma coisa tão
extraordinária como essa. Um milagre tão estupendo: mudar um pedacinho de pão no
próprio Deus. Um milagre tão diferente de todos os que se têm notícia. Tudo isso
deveria ter uma prova muito mais clara e contundente do que meras formas de
expressão. É, sem dúvida, algo que foge à nossa compreensão, não por ser algo
misterioso, mas por ser irracional e incoerente. Quando se prova o pão, ele
ainda é pão, tem cheiro de pão, o gosto ainda é de pão. E o mesmo se dá com o
vinho!
Onde temos o corpo de Cristo nisso tudo? Esquivar-se, fazendo uma
separação arbitrária de milagres, visíveis para os incrédulos e invisíveis para
os crentes (diga-se católicos), é ultrapassar o que está escrito.
Onde
está tal divisão nas Escrituras? Em lugar nenhum!
Mas é preciso
argumentar para forjar explicações que sirvam de alicerce para a doutrina
católica.
Interpretação dos reformadores
Para a Reforma
Protestante, são dois os sacramentos instituídos pelo próprio Cristo: o batismo,
que marca o início da vida cristã, e a Santa Ceia, que significa a manutenção
dessa vida, a santificação.
Unidos sobre o sentido do batismo, apesar de
ênfases diversas, os reformadores se dividiram sobre o sentido da eucaristia.
Lutero12 se opôs à missa como obra meritória e repetição eficaz do sacrifício do
Cristo. O oferecimento da graça se efetua sob duplo signo instituído por Cristo:
não se pode recusar a nenhum fiel o pão e o vinho oferecidos por Jesus, em
oposição ao Concílio de Constança, de 1414, que proibiu o uso do cálice aos
leigos. Contudo, Lutero opõe-se a uma presença meramente simbólica de Cristo na
ceia. Mantém a tese da “consubstanciação”, segundo a qual o pão e o vinho
permanecem presentes na ceia simultaneamente com o corpo e o sangue de
Cristo.
Zwinglio13 vê na ceia cristã o simples memorial que comemora o
sacrifício único e infinitamente suficiente de Cristo. Calvino14 queria mais do
que uma presença somente simbólica à maneira de Zwinglio, mas repudiou não só a
posição católica como a luterana. Para Calvino, a “substância” não se refere a
um substrato invisível na matéria do objeto, mas significa a realidade profunda
de um ser. O pão e o vinho não só representam a comunhão com o corpo e o sangue
de Cristo, mas também “apontam” para a realidade desse significado. O que
Calvino rejeitou foi a idéia da “presença local”; ele acreditava no Espírito
Santo e não num fenômeno especial, para relacionar diretamente o comungante com
o Cristo vivo.
O anglicanismo15 adotou o essencial das posições da
Reforma. A confissão anglicana conserva dois sacramentos (batismo e ceia),
proíbe as procissões solenes do Santíssimo Sacramento e a adoração das espécies
consagradas. O corpo do Senhor é recebido mediante a fé (conceito calvinista). A
maioria esmagadora dos protestantes aceita as noções de Calvino e
Zwinglio.
Antes de finalizarmos este estudo é necessário fazer um adendo
sobre a posição de Lutero. Apesar de ter sido levantado por Deus, Lutero, no
princípio, não pretendia separar-se da Igreja Católica, mas reformá-la por
dentro. Tendo esse pano de fundo histórico, podemos entender por que ele não
abdicou de certas noções católicas. Ele representava a primeira geração dos
reformadores e, por isso, muitas coisas ainda estavam enraizadas profundamente
nele. Somente com o decorrer do tempo é que a doutrina da Reforma foi se
purificando mais e mais. É bem parecido com o que aconteceu com o cristianismo
em relação ao judaísmo no começo de sua história. Esse problema já não aparece
nas gerações posteriores dos reformadores, que foram lapidando os lapsos
teológicos do catolicismo dentro do protestantismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.