A novela da Rede Globo, Porto dos Milagres, que conta com um cenário paradisíaco, localizado no belo Estado
da Bahia, mais precisamente na Ilha de Comandatuba. É uma história envolvente,
cheia de aventuras, emoções e totalmente voltada para o culto a Iemanjá. A trama
escrita por Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares é baseada nos livros Mar Morto e
A descoberta da América pelos turcos, assinados por Jorge Amado, renomado autor
baiano, que na maioria de suas obras cita a personagem Iemanjá. No Mar Morto,
Iemanjá é personagem de grande importância, com um capítulo inteiro dedicado a
ela. A direção da novela é de Marcos Paulo.
Mais uma vez, a mais potente
emissora de televisão do país apresenta uma novela eivada de ensinamentos
religiosos. O ator Marcos Palmeira, cujo personagem se chama Guma, interpreta um
pescador salvo de um naufrágio na infância. Ele acredita que sobreviveu graças à
proteção de Iemanjá. Por isso o orixá terá forte influência em sua
vida.
Famosa em todo o Brasil pelos cerimoniais dedicados a ela nas
praias durante a passagem de ano, multidões de pessoas, todos os anos, recorrem
a Iemanjá em busca de ajuda. No dia 02 de fevereiro deste ano, em Salvador,
houve uma festa consagrada a Iemanjá. O evento reuniu 300 mil pessoas que se
espalharam por mais de 2 mil terreiros da capital baiana. Iemanjá é a divindade
afro-brasileira da água salgada. Orixá marítimo, identificada com a sereia
européia, a iara tupi e Nossa Senhora da Conceição. Festejada, na Bahia, em 2 de
fevereiro e, no Rio de Janeiro, em 31 de dezembro (Definição da Enciclopédia
Britânica)1. A etimologia da palavra Iemanjá pode ser explicada da seguinte
forma: yeye, “mãe”; e eja, “peixe”.
Histórias e lendas
O
escritor Abguar Bastos registrou: Os cultos afro-brasileiros, disseminados no
Brasil, tomam nomes diferentes, pouco se distinguem entre si pelos ritos
admitidos, pelas divindades ou categorias protetoras ou pelas finalidades a que
se destinam. De maneira geral se confundem. Por isso, o que é macumba no Rio é
candomblé na Bahia; o que é Xangô em Pernambuco e Alagoas é canjerê em Minas,
Pará, Rio Grande do Sul, e babaçuê (Santa Bárbara) no Norte... Encanteria,
cabula, tambor de mina (Maranhão), cambinda e linha de mesa, sem falar em
catimbó, misto, no Nordeste, de “pretos-velhos” e “caboclos”... se destacam da
macumba dois ramos de origens comuns, porém de objetivos diferenciados: a
umbanda e a quimbanda. Para a primeira, a segunda é reunião para malefício,
trabalhando feitiços que trazem danos às pessoas visadas.2
Ao tentarmos
identificar a origem de um orixá, encontramos a mesma dificuldade, devido à
variedade de informações divergentes e contraditórias que se conta de um
terreiro para outro ou de um pai-de-santo para outro, e ainda de uma região para
outra. Por esse motivo, neste artigo, nos deteremos apenas nas duas histórias
mais aceitas sobre Iemanjá entre os cultos afro-brasileiros.
Uma das
lendas conta que Iemanjá (as águas) se casou com Aganju (terra firme). Dessa
união nasceu Orugan (o ar e as alturas). Mas, certo dia, na ausência do pai,
Orugan possui a mãe Iemanjá. Após o ato incestuoso, Iemanjá cai morta e de seu
ventre nascem os demais orixás. É por isso que ela é considerada a mãe de todos
os orixás.
Outra lenda diz que Iemanjá se sentia sozinha e abandonada
pelos filhos, que dela se afastaram. Então, ela decide correr mundo e, chegando
em Okerê, foi admirada e adorada por sua meiguice, beleza e inteligência. O rei
se apaixonou por ela e desejou que ela se tornasse sua mulher. Como tal coisa
não constava em seus planos, Iemanjá fugiu, mas foi perseguida pelos exércitos
de Alafin, sendo encurralada, durante a fuga, por Okê (as montanhas). Iemanjá
caiu e, na queda, cortou seus enormes seios, de onde nasceram os rios,
tornando-se, assim, rainha de todas as águas.
Em uma entrevista dada ao
programa Defesa da Fé, na série nº 6, o professor angolano, pastor André Nguina
Quiala (Pós-graduado em Aconselhamento Cristão, mestre em Comunicação Social e
diretor da Missão VEM), disse: Lendas não esclarecidas se tornam crenças e
divindades. Infelizmente, é justamente isso que acontece com as lendas a
respeito de Iemanjá, que acabaram transformando-a numa entidade
religiosa.
Herança da África
A origem dos cultos
afro-brasileiros deve-se à chegada dos africanos em nossas terras. Esses nativos
da África, por natureza, são extremamente religiosos e, sem dúvida, muitos deles
só conseguiram resistir ao massacre colonizador por causa de suas crenças
religiosas. Quando da colonização do Brasil, em 1500, a mão-de-obra era escassa,
pois a terra era povoada pelos índios, que impuseram resistência ao trabalho
forçado. Assim, os colonizadores portugueses optaram por trazer escravos da
África. Inicia-se, então, um período vergonhoso na história do Brasil. O
sofrimento dos escravos africanos é descrito pelo grande poeta Castro Alves em
suas poesias: Navio Negreiro e Vozes D’ África. Em seu livro Latin America: Na
Interpretative History, o escritor Burns apresenta vários dados sobre o
repugnante tráfico de seres humanos da África para o Brasil: Acredita-se que os
primeiros escravos africanos chegaram ao novo mundo já em 1502. Provavelmente,
os primeiros carregamentos de escravos chegaram em Cuba em 1512 e no Brasil em
1538, e isso continuou até que o Brasil aboliu o tráfico de escravos, em 1850, e
a Espanha finalmente encerrou o tráfico de escravos para Cuba em 1866. A maioria
dos três milhões de escravos vendidos à América Espanhola e os cinco milhões
vendidos ao Brasil, num período de aproximadamente três séculos, veio da costa
ocidental da África.3
O livro Os Negros da Bíblia e os do Brasil, do
professor Paulo de Sousa Oliveira (Mestre em Ciências Sociais pela Puc/SP e
Doutor em História Social pela USP) declara: Os negros desembarcados nos portos
brasileiros acabaram em grande parte se miscigenando com os brancos e os índios.
Mas, até ficarmos com a imagem atual, um processo doloroso ocorreu. De um total
de 8.330.000 negros escravizados, nos primeiros seis meses morreram 3.300.000.
Depois de cinco anos na nova terra, só dois milhões sobreviveram.4
Com os
escravos, vieram também seus rituais religiosos e suas crenças, tais como:
invocação dos espíritos da natureza e dos mortos, influências dos sonhos, contos
e lendas, inclusive sobre Iemanjá, sendo que as lendas a respeito dela sofreram
algumas modificações quando aplicadas no Brasil.
Não foi, no entanto,
apenas a religiosidade sincretista que o Brasil herdou da bela África. Os
africanos, embora escravizados, trouxeram sua contagiante alegria de viver e uma
vasta riqueza cultural expressa nas cores, na música, na culinária, nas artes,
na linguagem e nos usos e costumes; sem contar o papel importantíssimo que
tiveram no mundo secular e cristão. Como exemplo, citamos dois grandes pastores,
descendentes de africanos, que revolucionaram o mundo cristão ocidental: o
pioneiro pastor pentecostal, reverendo J. Seymour, da Missão da Rua Azuza em Los
Angeles, e o pastor batista, reverendo Martin Luther King Jr., que liderou o
triunfante movimento de Direitos Humanos nos Estados Unidos.
Culto a
Iemanjá
Para se ter uma idéia da dimensão do culto a Iemanjá no
Brasil, basta constatar a popularidade desse nome entre os brasileiros. Não se
tratam apenas de estatuetas da sereia do mar, expostas em lojas de artigos de
umbanda e candomblé, mas de um mito, que já tem lugar cativo na arte oficial do
país, de modo especial na Bahia, através de livros, músicas e danças.
Na
forma de uma linda mulher, esse orixá, que por vezes aparece com os seios
descobertos simbolizando a maternidade espiritual, é uma das mais lendárias
entidades do culto afro-brasileiro.
Uma vez iniciados, seus adeptos ficam
ligados, por obrigação, a esse orixá. O sábado é o dia consagrado a Iemanjá,
especialmente à noite, período em que, segundo os adeptos, as ondas do mar são
em forma de peixe. As oferendas para Iemanjá são realizadas à beira-mar ou em
alto mar, utilizando-se, neste caso, embarcações. Como se trata de uma deusa
vaidosa, fato comum entre os orixás da Umbanda e do Candomblé, ela pede ofertas
que constem de produtos de beleza, bijuterias e perfumes5. A presença do culto
no Brasil mostra que Iemanjá é a configuração de um mito que, para muitas
pessoas, está vivo em seus corações, cultuada também na África, mas em grande
intensidade pelas populações negras da América do Sul e do Norte6. O fato é que
o culto não se restringe à população negra. Grande parte da população branca é
arrastada ao seu culto, mostrando a fascinação que esse mito exerce sobre a raça
humana.
O babalorixá (pai-de-santo) Jamil Rachid, líder muito respeitado
dentro da umbanda, explica por que as pessoas vão à praia homenagear Iemanjá:
Dezembro é o mês da espiritualidade, quando todos os guias-chefes dos terreiros
de macumba pedem para que todo o corpo mediúnico esteja presente à Terra
Sagrada, que é o mar. Mas, por que os guias pedem isso? Justamente porque
dezembro é o último mês do ano e os presidentes espirituais aproveitam para
levar presentes a Iemanjá... a todas as falanges e legiões de espíritos das
águas. E, nesse contato do médium com a natureza, ou seja, com o mar sagrado
[Kalunga], ele recebe os fluídos benéficos para limpeza do corpo fluídico,
alcançado, com isso, maiores vibrações para sua mediunidade. E também para
prestar homenagem a esse grande orixá que comanda as maiores falanges de
caboclos, caboclas e crianças que se manifestam na maioria dos terreiros de todo
o território nacional. Esse orixá, conhecido em todo o mundo, é a nossa rainha
Iemanjá, mãe de todos os orixás.7
A respeito das oferendas que a Iemanjá,
Zora Seljan declara: Os presentes são amontoados num imenso cesto: sabão,
perfumes, flores naturais ou artificiais, lenços de renda, cortes de fazenda,
figurinos, colares, braceletes, dinheiro. Tudo é acompanhado de cartas, súplicas
dos fiéis, que pedem uma graça. Todas as coisas são lançadas ao mar. Portanto,
para que tais oferendas sejam aceitadas por Iemanjá, devem ser mergulhadas nas
águas. Se boiarem é sinal de recusa e descontentamento. Será preciso então fazer
novos sacrifícios e novas oferendas para que o ofertante alcance a proteção da
entidade.8
Mas será que toda esta fascinação, ritual religioso e adoração
direcionada a Iemanjá está de acordo com a vontade de Deus, revelada em sua
Palavra?
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