O concílio de Éfeso não instituiu a adoração a Maria, apenas sancionou-a. Até
então se tratava de um sentimento religioso popular. Depois disso, passou a ser
matéria teológica. Pior que uma prática idólatra permitida é uma prática
idólatra teologicamente defendida. E foi justamente isso que esse concílio
significou para o cristianismo: o passaporte de entrada da deusa Diana para
dentro da Igreja Cristã.
Hoje, fala-se muito do concílio de Éfeso como
“uma questão cristológica”. O que estava em jogo não era se Maria deveria ser
chamada de mãe de Deus ou não, mas se o Filho nascido dela possuía apenas a
natureza humana ou as duas naturezas: a humana e a divina. O resultado positivo
foi o estabelecimento da natureza hipostática de Cristo, verdadeiro Deus e
verdadeiro homem.
Mas a deturpação veio de carona. Todo o ambiente que
cercou esse Concílio foi repleto de intrigas, corrupções, ódios e idolatria,
mais especificamente idolatria mariana. O historiador Edward Gibbon referiu-se
ao concílio de Éfeso como um “tumulto episcopal, que na distância de treze
séculos assumiu o venerável aspecto de Terceiro Concílio Ecumênico”.4
Nestor, patriarca de Constantinopla, se recusava a conferir o título de
“Mãe de Deus” a Maria. “Na Síria, a escola de Nestor tinha sido ensinada a
rejeitar a confusão das duas naturezas, e suavemente distinguir a humanidade de
seu mestre Cristo da divindade do Senhor Jesus. A bendita virgem era honrada
como a mãe do Cristo, mas os seus ouvidos foram ofendidos com o irrefletido e
recente título de Mãe de Deus, que tinha sido insensivelmente adotado desde a
controvérsia ariana. Do púlpito de Constantinopla, um amigo do patriarca e
depois o próprio patriarca, repetidamente pregou contra o uso, ou o abuso, de
uma palavra desconhecida pelos apóstolos, não autorizada pela igreja, e que
apenas tendia a alarmar os tímidos”, diz Gibbon (grifo do autor).
Cirilo,
então bispo de Alexandria, acusou-o de heresia e tratou rapidamente de convencer
Celestino, bispo de Roma, de seu ponto de vista. Para resolver a questão, foi
então decidido um Concílio Universal, sediado na cidade de Éfeso, na Ásia Menor,
que ficaria acessível tanto por mar quanto por terra, para ambas as partes
conflitantes.
Cirilo usou todos os artifícios para persuadir o povo a
tomar seu partido. Vejamos o que disse Gibbon a respeito: “O despótico primado
da Ásia (Cirilo) dispôs prontamente de trinta a quarenta votos episcopais: uma
multidão de camponeses e os escravos da Igreja foram derramados na cidade para
sustentar com barulhos e clamores um argumento metafísico; e o povo zelosamente
afirmou a honra da Virgem, de quem o corpo repousava dentro dos muros de Éfeso.
O navio que havia transportado Cirilo de Alexandria foi carregado com as
riquezas do Egito; e ele desembarcou um numeroso corpo de marinheiros, escravos
e fanáticos, aliciados com cega obediência sob a bandeira de São Marcos e a mãe
de Deus. Os pais e ainda os guardas do concílio estavam receosos devido àquele
desfile esplendoroso de roupas guerreiras; os adversários de Cirilo e Maria
foram insultados nas ruas ou destratados em suas casas; sua eloqüência e
liberalidade fizeram um acréscimo diário ao número de seu
aderentes...
“Impaciente com uma demora que ele estigmatizou como
voluntária e culpável, Cirilo anunciou a abertura do Sínodo dezesseis dias após
a Festa do Pentecoste. A sentença, maliciosamente escrita para o novo Judas
(isto é, Nestor), foi afixada e proclamada nas ruas de Éfeso: os cansados
prelados, assim que publicaram para a igreja com respeito à mãe de Deus, foram
saudados como campeões, e sua vitória foi comemorada com luzes, cantos e
tumultos noturnos.
“No quinto dia, o triunfo foi obscurecido pela chegada
e indignação dos bispos orientais (do partido de Nestor). Em um cômodo da
pensão, antes que ele tivesse limpado o pó de seus pés, João de Antioquia tinha
dado audiência para Candidian, ministro imperial, que relatou seus infrutuosos
esforços para impedir ou anular a violenta pressa dos egípcios. Com igual
violência e rapidez, o Sínodo Oriental de cinqüenta bispos degradou Cirilo e
Memnon de suas honras episcopais; condenou, em doze anátemas, o mais puro veneno
da heresia apolinária; e descreveu o primado alexandrino (Cirilo) como um
monstro, nascido e educado para a destruição da igreja.
“Pela vigilância
de Memnon, as igrejas foram fechadas contra eles, e uma forte guarnição foi
colocada na catedral. As tropas, sob o comando de Candidian, avançaram para o
assalto; as sentinelas foram cercadas e mortas à espada, mas o lugar era
inexpugnável; os sitiantes retiraram-se; sua retirada foi perseguida por um
vigoroso grupo; eles perderam seus cavalos e muitos soldados foram perigosamente
feridos com paus e pedras. Éfeso, a cidade da virgem, foi profanada com ódio e
clamor, com sedição e sangue; o sínodo rival lançou maldições e excomunhões de
sua máquina espiritual; e a corte de Teodósio ficou perplexa pelas narrativas
diferentes e contraditórias dos partidos da Síria e do Egito. Durante um período
tumultuado de três meses o imperador tentou todos os meios, exceto o mais
eficaz, isto é, a indiferença e o desprezo, para reconciliar esta disputa
teológica. Ele tentou remover ou intimar os líderes por uma sentença comum de
absolvição ou de condenação; ele investiu seus representantes em Éfeso com
amplos poderes e força militar; ele escolheu de ambos os partidos oito deputados
para uma suave e livre conferência nas vizinhanças da capital, longe do
contagioso frenesi popular.
“Mas os orientais se recusaram a ceder e os
católicos, orgulhosos de seu número e de seus aliados latinos, rejeitaram todos
os termos de união e tolerância. A paciência do manso imperador Teodósio foi
provocada, e ele dissolveu, irado, este tumulto episcopal, que na distância de
treze séculos assumiu o venerável aspecto de Terceiro Concílio Ecumênico. ‘Deus
é minha testemunha’, disse o piedoso príncipe, ‘que eu não sou o autor desta
confusão. Sua providência discernirá e punirá o culpado. Voltem para suas
províncias, e possam suas virtudes privadas reparar o erro e o escândalo deste
encontro’.
“(...) os abades Dalmácio e Êutico tinham devotado seu zelo à
causa de Cirilo, o adorador de Maria, e à unidade de Cristo. Desde o primeiro
momento de sua vida monástica eles nunca tinham se misturado com o mundo ou
pisado no chão profano da cidade. Mas neste terrível momento de perigo para a
igreja, seus votos foram superarados por um mais sublime e indispensável dever.
À frente de uma ordem de eremitas e monges, carregando archotes em suas mãos e
cantando hinos à mãe de Deus, eles foram de seus mosteiros ao palácio do
imperador”5 (grifo do autor).
Longe de ser uma disputa teológica, na qual
a Palavra de Deus era o padrão da verdade, essa foi uma guerra política, ocasião
em que Maria foi proclamada a “mãe de Deus”, iniciando uma ascensão que fez dela
a deusa que é hoje.
Nem todas as sutilezas teológicas produzidas pelo
catolicismo terão poder de inocentar os milhões apri-sionados na idolatria
mariana. Nenhum longo tratado, nenhuma citação da patrística e nenhuma alegação
da tradição serão suficientes para apagar dessas almas manchadas o envolvimento
com essas entidades que se intitulam “Senhoras”. São mais de quinze séculos de
práticas pagãs, justificadas por argumentos ilegítimos, tentando tornar
aceitável o inaceitável.
Mas o fundamento de Deus permanece. “Não terás
outros deuses diante de mim”, diz o Senhor. E muito menos deusas!
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