segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Os estigmas de Cristo, fato ou mitologia religiosa?

A Igreja Católica Romana quase mandou o renomado cientista Italiano Galileu Galilei (Século XVI) para a fogueira, arvorando que o heliocentrismo1 era uma heresia contra os desígnios divinos e que o geocentrismo2 não deveria ser questionado. Bem da verdade, não foi esse o grande motivo de quererem mandar Galileu para a fogueira da inquisição, mas suas conclusões científicas de que a teoria da transubstanciação era impossível e improvável. Esse mito da transubstanciação, criado na Idade Média, ainda vive hoje como um dos pilares doutrinários da fé católica (Ler matéria de capa). A Idade Média ou Idade das Trevas foi uma ótima oficina para que mentes alucinadas criassem e desenvolvessem doutrinas extremamente exóticas e totalmente anticristãs, entre elas, iremos questionar nesta matéria os estigmas de Cristo.

O que é a doutrina dos estigmas de Cristo?

Estigmas: do grego stigmata, significa “picada dolorosa”. Trata-se de feridas que, supostamente, aparecem em várias partes determinantes do corpo do devoto católico: na cabeça, devido à coroa de espinhos; nas costas, devido às chibatadas; nas mãos e nos pés, devido aos cravos; e na parte lateral do corpo, devido ao corte da lança do soldado romano.

Portanto, ser estigmatizado é receber no próprio corpo as chagas ou os ferimentos de Cristo, e isso literalmente. Além disso, parece que o estigmatizado passa a sofrer terríveis perseguições espirituais, tornando-se uma pessoa afligida.

Na maioria das vezes, os estigmatizados estão em profundo transe quando “agraciados” com esse fenômeno. Alguns param de comer e outros ainda passam a ter freqüentes alucinações.

A Igreja Católica Romana entende que a paixão de Cristo está sempre viva entre os cristãos, sendo mesmo causa de conversões, e que, através dos séculos, Cristo quis reproduzir, em pessoas privilegiadas, as marcas ou estigmas de sua paixão.

O primeiro estigmatizado

Conforme os parâmetros católicos, o primeiro estigmatizado da história foi São Francisco de Assis, no ano de 1224. A “estigmatização” de São Francisco fez aparecer-lhe nas mãos, pés e costas chagas semelhantes às de Cristo na cruz.

Essa íntima comunhão de Deus para com o estigmatizado, segundo a Igreja Católica, levaria o indivíduo a um processo de santificação e de certa contribuição para a salvação do mundo. Devido a isso, São Francisco foi canonizado em 1232 e é festejado no dia quatro de outubro.

No livro Milagres, de Scott Rogo3, são relacionados aproximadamente 312 estigmatizados até o final do século XIX, isso levando em consideração os estigmatizados sem as chagas, ou seja, aqueles que sentiram as dores, mas não manifestaram as feridas. O livro informa também que, até agora, somente uns sessenta estigmatizados foram beatificados e canonizados. Depois de São Francisco, os mais famosos foram a alemã Therese Neumann (1898-1962) e o italiano Francesco Forgione (1887-1968), mais conhecido como Frei de Pietralcina ou Padre Pio. Outras figuras reconhecidas como estigmatizadas: Catarina de Sena (1347-1380), Verônica Giuliana (1660-1727), Gema Galgani (1878-1903), entre outras.

Segundo o Dicionário do cético, de Robert Todd Carroll4, traduzido por Antônio Inglês e Ronaldo Cordeiro, um dos estigmatizados mais recentes é o frade James Bruce “que não só afirmou ter as feridas de Cristo, como também que estátuas religiosas choravam em sua presença”. De acordo com o dicionário, este fato ocorreu em 1992, em um subúrbio de Washington, D.C., “onde coisas estranhas são comuns. Nem é preciso dizer que ele (James Bruce) lotou os bancos da igreja. Atualmente, administra uma paróquia na região rural da Virgínia, onde os milagres cessaram”.

O porquê dos estigmas

Segundo o padre Tito Paolo Zecca, um dos maiores especialistas do assunto, professor de teologia pastoral e espiritualidade na Universidade Pontifícia do Latrão, e o Ateneu Pontifício Antoniano de Roma, os estigmas são “um sinal do que Cristo sofreu durante a Paixão [...] Este fenômeno mostra a eficácia da salvação de Cristo na cruz, e permanece de modo especial no sinal dos estigmas, tornando-se um fato distintivo da eficácia redentora e salvadora da fé”. Padre Zecca ainda conclui que “é uma experiência de alegria e dor [...] estas chagas podem ser purulentas e nunca se curar, mas podem ajudar a curar os outros”. Apesar do sofrimento que as chagas podem vir a causar nos santos “privilegiados”, o padre acredita piamente que tais ocorrências são sinais de graças benditas: “os recipientes dos estigmas consideram isso uma imensa graça”.

A Idade Média e os estigmas

Durante quase toda a Idade Média a Europa esteve mergulhada em um profundo misticismo que geraram muitas coisas vãs. Tais coisas, para as pessoas, tinham grande valor espiritual. Havia, por exemplo, uma pena da asa do anjo Gabriel, um bocado da arca de Noé, a camisa da bendita virgem, os dentes de Santa Apolônia (segundo as pessoas, isso proporcionava cura infalível para as dores de dentes) e muitas outras relíquias sagradas e milagrosas! Além disso, era generalizada a crença absurda de que o arcanjo Miguel celebrava a missa na corte do céu todas as segundas-feiras. A este período pertence a instituição do rosário e da coroa da virgem Maria, da invenção da doutrina da transubstanciação e de muitas outras mitologias católicas. É nesse contexto sociológico que surge a doutrina dos estigmas.

É interessante notar que não se conhece nenhum caso de estigmas que tenha acontecido antes do século XIII, quando “Jesus crucificado” se tornou um símbolo do cristianismo no Ocidente. Para alguns, isso indica que os estigmas provavelmente foram feitos pelos próprios estigmatizados, e ainda há aqueles que acreditam que tais fenômenos vieram a ocorrer de maneira psicossomática, devido à veneração extremada de católicos devotos à cruz.

Opinião médica sobre os estigmas

Atualmente, fica difícil coletar opiniões médicas sobre o polêmico assunto, pois há muitos anos não se tem notícia de qualquer pessoa que tenha sobre si essas marcas. Também não se tem notícia de qualquer estigmatizado no Brasil. Não haveria, pois, como submetê-las a exame científico conclusivo, usando-se de técnicas modernas e aplicando o conhecimento atual, seja médico ou psicológico.

Um especialista em estigmas, Herbert Thurston, argumenta cinco pontos contra a natureza desses fenômenos:

1. Os estigmas eram desconhecidos do cristianismo até o século XIII, quando São Francisco de Assis os exibiu pela primeira vez. Todos os casos ocorridos a partir dessa data devem, por isso mesmo, ser imitados em sua natureza, eis a razão por não serem autênticos.

2. As feridas dos estigmas não aparecem em local, tamanho e forma consistentes. Tal fato sugeriria que não passam de efeito auto-sugestivo.

3. Os estigmas surgem em conexão com a histeria.5

4. Em geral, as feridas só surgem depois que o indivíduo teve várias doenças purgativas que parecem ser distúrbios do sistema nervoso central.

5. Embora os supostamente estigmatizados sejam pessoas visionárias6 , uma comparação de suas visões mostra pouca consistência. A maior parte delas não deixa de ser “reencenações” de histórias tradicionais da paixão, não apresentando nenhuma evidência de sua natureza divina.7

O Dicionário do cético ainda afirma: “os ferimentos auto-infligidos são comuns entre pessoas com certos tipos de distúrbios mentais, mas afirmar que as feridas são milagrosas é raro, e se deve mais provavelmente à religiosidade excessiva do que a um cérebro doente, embora ambos possam estar atuando em alguns casos”. A explicação preferida é de que estas feridas tenham sido auto-infligidas, uma vez que nenhum estigmático manifesta seus ferimentos do princípio ao fim na presença dos outros, só começando a sangrar quando não estão sendo observados.

A questão teológica sobre os estigmas de Cristo

Não nos deteremos no mérito se tais manifestações são possíveis ou não, mas se são teologicamente corretas. Mas, pelo que já lemos acima e temos constatado em nossa pesquisa sobre o assunto, essa doutrina não aparenta ser nem um pouco bíblica.

O apóstolo Paulo relata: “... porque eu trago no meu corpo as marcas [do grego stigmata] de Jesus” (Gl 6.17). Então, segundo o texto bíblico, Paulo traz em seu corpo as marcas ou os estigmas de Cristo.

No contexto geral da epístola de Gálatas, Paulo está refutando os defensores da circuncisão. Esses pseudo-apóstolos arvoravam que todos os cristãos deveriam ter o estigma ou a marca da circuncisão judaica. Paulo usa sua autoridade eclesiástica para declarar que tal doutrina não era vinda da parte de Deus e devia ser considerada como anátema (Gl 1.9). Ele queria que os crentes de Gálatas tomassem conhecimento da eficácia de seu apostolado, já que esse apostolado estava alicerçado no evangelho da graça. Para o apóstolo, o evangelho vivido não é notado com estigmas (leia-se marcas) externos, mas no coração: “Todos os que querem mostrar boa aparência na carne, esses vos obrigam a circuncidar-vos, somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo [...] As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade fingida, e em disciplina do corpo, mas não é de valor algum senão para a satisfação da carne” (Gl 6.12; Cl 2.23).

A palavra grega stigmata traduz perfeitamente o que ocorria com os escravos marcados ou estigmatizados a ferro com os nomes de seus senhores. Possivelmente, era o que Paulo queria transmitir, isto é, que ele já estava marcado pelo sofrimento da obra de Cristo, que pertencia ao seu Salvador e não precisava ser circuncidado para tornar-se fiel a Deus. Além disso, estava assinalado pelo selo do Espírito Santo (Ef 1.13) e comprado pelo preço do sangue de Jesus (1Co 6.20). É bom notarmos também que a Bíblia não fala que Paulo tinha furos nas mãos ou nos pés, nem que seus estigmas eram literalmente idênticos aos de Jesus na cruz, tudo é dito de maneira ilustrativa e não literal.

O estigma do cristão não é feito do que é externo, mas, sim, por meio de uma vida reta e santa diante de Deus: “Trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também nos nossos corpos; e assim nós, que vivemos, estamos sempre entregues à morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também na nossa carne mortal [...] Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim” (2Co 4.10,11; Gl 2.20).

“Manifestações diabólicas e satânicas”

O sofrimento de Jesus na cruz foi único e singular. Somente as chagas de Cristo têm o poder de abrir as portas da salvação para o homem: “Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, da sua carne” (Hb 10.19,20). O prazer do Senhor é que sejamos felizes e livres de toda a dor: “Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.4,5).

Essa doutrina católica parece mais um malfazejo, pois os estigmatizados sofrem terríveis flagelos e padecem de tormentos espirituais, contrariamente à vontade de Deus revelada em sua Palavra. A própria Igreja Católica, em alguns casos de estigmas, declarou que tais manifestações eram diabólicas e satânicas!

Podemos afirmar categoricamente que não há precedentes bíblicos para corroborar com a doutrina da “estigmatização”. Nunca houve um caso na época apostólica ou mesmo depois, pois, como vimos, tais ocorrências só começaram a se manifestar em uma época em que o misticismo imperava na mente das pessoas.

Verdadeiramente, não é da vontade de Deus que vivamos essa terrível experiência, esse cálice só o Senhor poderia beber e suportar (Mt 26.42)!

“Stigmata, o filme” - sinopse

“Stigmata” conta a história em que Frankie Paige (Patrícia Arquette), uma mulher sem nenhum tipo de crença religiosa, começa a sofrer os “Estigmas, as cinco chagas que Cristo sofreu antes de morrer. Baseado nos manuscritos do evangelho apócrifo de Tome, encontrados em 1945. O caso chega aos conhecimentos do Padre Kierman (Gabriel Byrne), um investigador do Vaticano, responsável por investigar casos como a veracidade e de supostos santos.

O filme começa numa fictícia cidade brasileira chamada “Belo Quinto” que, supostamente, ficaria no Sudoeste do Brasil, onde todos os habitantes se parecem com índios peruanos ou andinos, em geral, e onde todos falam uma mistura do português de Portugal com uma língua nativa qualquer, que torna tal idioma completamente indecifrável.

Como muitas outras produções de Hollyood, o filme é chocante pelas cenas de extrema violência, blasfêmias a Deus, exorcismos e provocações a fé cristã. No entanto, é um material de pesquisa interessante, por levantar questões como a existência de manuscritos, a formação do cânon bíblico, o comportamento da Igreja Católica sobre temas de fé e misticismo.

Diferente de um filme que vale tudo, na vida real nenhum estigmatizado apresentou as feridas do inicio ao fim na presença de terceiros, apenas sangram quando não são observados.

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