Em tempos de crise, cresce a devoção a santos com fama de conceder graças
rapidamente. Muitos bairros nas grandes metrópoles transformam-se em típicas
cidades do interior. Festanças católicas nos moldes tradicionais marcam os
feriados. Há procissões, shows, missas e quermesses.
Com o agravamento da
situação econômica, a fé, que antes não costumava existir, agora não pode
falhar. Tem de ser rápida, expedita. “Os santos que vêm sendo mais cultuados são
aqueles diretamente ligados à questão econômica. Pode-se dizer que os quatro
preferidos são os que atendem às urgências do povo: Santo Expedito, Santa
Edwiges, São Judas Tadeu e Santa Rita de Cássia”, confessou um padre, vigário da
Arquidiocese da São Paulo. Além desses, Nossa Senhora Aparecida compõe o
quinteto que monopoliza a devoção dos fiéis.
Com base nas histórias
relatadas pela tradição, faz-se uma mensagem direta, ligada à vida cotidiana.
Por exemplo: Santo Expedito é aquele das causas urgentes, que não pode perder
tempo para resolver alguma pendência. Santa Edwiges é a santa dos endividados.
São Judas Tadeu e Santa Rita de Cássia ajudam, respectivamente, nos casos
desesperadores ou perdidos – um guarda-chuva amplo que pode abrigar tanto os
desempregados quanto os com problemas de desavença familiar.
Tendo
supostamente as pessoas recebido a graça tão desejada, aparecem nas ruas, nos
postes e nos muros dezenas de mensagens de agradecimento ao santo solicitado.
Geralmente, encontramos muitas páginas nos periódicos (jornais e revistas)
dedicadas aos santos e patrocinadas pelos fiéis ‘satisfeitos’ pelas preces
‘ouvidas’. Todavia, vai aqui uma palavra de cautela: os agradecimentos devem ser
divididos por sete e, em alguns casos, até mesmo por noventa! Isso mesmo! O
motivo dessa discrepância deve-se ao fato de o suplicante ser obrigado a
repetir, ou mesmo multiplicar, seus recados de agradecimento. Geralmente, quando
um fiel receita a reza a determinado santo, indica quantas vezes o próximo
suplicante terá de divulgar o agradecimento pela graça recebida. Parece que os
‘santos’ já aprenderam que a propaganda é o melhor negócio.
Enquanto
alguns santos são conhecidos devido à sua projeção bíblica, outros, no entanto,
são comuns apenas na tradição católica. O número desses é surpreendente! A
Editora Paulus editou um anuário contendo santos para todos os dias do ano, e em
alguns casos dois ou três são adicionados.
Que objetivo tem o lançamento
de um anuário contendo inúmeros santos? Inicialmente, vê-se o ideal cristão:
“observemos os santos, mas não fiquemos apenas na contemplação deles;
procuremos, isto sim, contemplar com eles Aquele que preencheu suas vidas”,
afirma o padre Charles Foucauld. “Passar um ano em companhia dos santos que
tiveram virtudes e podem nos abençoar com seu exemplo parece interessante, mas
outras coisas estão envolvidas!”, conclui.
Superstição e
lenda
Nem todos os santos venerados são realmente considerados
históricos por teólogos católicos. Um exemplo típico é o Santo Expedito, que
aparece em primeiro lugar nos postes e muros da cidade, bem como galardoado com
faixas. Contudo, tem sua história questionada por teólogos católicos. Conta-se
que ele era comandante de uma legião de soldados romanos e foi sacrificado em 19
de abril de 303, por ordem do imperador Diocleciano, ao lado dos companheiros
Caio, Gálatas, Hermógenes, Aristonico e Rufo. Isso porque teria aderido à fé
cristã. Segundo a tradição, no momento de sua conversão apareceu um corvo que
lhe disse crás (amanhã, em latim). Imediatamente, o soldado esmagou o corvo com
o pé e gritou hodie (hoje), razão pela qual se tornou aquele a quem se recorre
quando não se pode deixar nada para amanhã. O mesmo padre comentado acima
afirmou: “a mensagem dele esmagando o corvo não me parece muito cristã. E, para
mim, ele é lendário, não existiu de fato... mas se você disser que ele não
existiu, o pessoal que o procura pode ficar bravo”. Santo Expedito, para o
desconforto de seus fiéis, não aparece no anuário da editora
Paulus.
Currículo milagroso
É muito comum os santos
“engrossarem” seus currículos com milagres. Primeiro um milagre corriqueiro,
comum, como um analgésico para dor de cabeça. Depois, o próprio tumor na cabeça
é curado. O tempo parece ser fundamento para o exercício dos ‘milagres’ por
parte dos santos. Além disso, os santos têm-se especializado em milagres
específicos. É necessário ‘descobrir’ o seu santo.
Contam que o bondoso
São Cristóvão atravessava um rio carregando pessoas nas costas. E, não por
acaso, ele é considerado padroeiro dos motoristas. Mais recentemente, São Camilo
de Lellis dedicava a vida aos doentes, tornando-se, assim, o protetor dos
enfermeiros. Esses são alguns dos casos mais conhecidos. O catolicismo contém
santos para quase todas as profissões. Uma lista elaborada pelo Vicariato da
Comunicação da Arquidiocese de São Paulo os relaciona com vários ofícios,
incluindo até santos não mais reconhecidos pelo catolicismo, como São Jorge, por
exemplo.
Embora considerado apócrifo pelo Decreto Gelasiano do século 6,
a influência que exerce sobre seus admiradores, porém, não foi apagada. Conforme
reza a lenda, difundida na Idade Média, São Jorge é aquele cavaleiro que luta
contra o dragão. Tal lenda diz que um horrível dragão saía de vez em quando das
profundezas de um lago e se atirava contra os muros da cidade, espalhando morte
com o seu mortífero hálito. Para afastar tamanho flagelo, as pessoas ofereciam
ao “monstro” jovens vítimas, escolhidas por sorteio. Um dia coube à filha do rei
ser oferecida para servir de alimento ao dragão. O monarca, que nada pôde fazer
para evitar esse horrível destino de sua tenra filhinha, acompanhou-a com
lágrimas até as margens do lago. A princesa parecia irremediavelmente destinada
a um fim atroz quando, de repente, apareceu um corajoso cavaleiro vindo da
Capadócia. Era São Jorge.
O valente guerreiro desembainhou a espada e, em
pouco tempo, reduziu o terrível dragão num manso cordeirinho, que a jovem
princesa levou preso numa corrente até dentro dos muros da cidade diante da
admiração de todos os habitantes que antes se fechavam em casa, cheios de pavor.
O misterioso cavaleiro lhes assegurou, gritando-lhes que tinha vindo, em nome de
Cristo, para vencer o dragão. Eles deviam, então, converter-se e ser
batizados.
Por conta dessa lenda, quadros e mais quadros foram pintados
com São Jorge vencendo o dragão. E podemos encontrá-los nas casas de alguns
fiéis. E não só isso. Há muito tempo ouvimos falar da figura de São Jorge e o
dragão estampada na lua. São histórias cheias de drama e martírio, que vão desde
os tempos em que São Gabriel Arcanjo anunciou a gravidez de Maria – o que o
tornou padroeiro dos carteiros! – até a segunda guerra mundial, quando São
Maximiliano Kolbe, protetor dos presos políticos, se ofereceu para morrer no
lugar de um condenado em um campo de concentração nazista.
Creio que você
já entendeu, querido leitor, o processo que habilita o santo a ser um protetor
especialista em determinado ramo ou ofício. Basta-lhe apenas comparar como foi a
vida do tal santo, ou o que lhe aconteceu, segundo a tradição, e, baseado no
padrão trágico de seus supostos martírios aplicar o que lhe seja mais
conveniente.
Devoção grandiosa
A devoção à Nossa Senhora
Aparecida é expressa em números grandiosos. As ‘igrejas’ consagradas a essa
santa ultrapassam radicalmente às dedicadas a Jesus Cristo. Considerado o maior
santuário do mundo, a Basílica Nacional de Aparecida, no Vale do Paraíba, é
visitada anualmente por cerca de oito milhões de romeiros (um número sempre
crescente), vindos de todos os Estados. Por ano, são distribuídas cerca de três
milhões de comunhões, ouvidas cerca de 260 mil confissões e realizados quase
quatro mil batizados. Tudo sob as bênçãos da padroeira do Brasil, cuja imagem,
com 35 centímetros de altura, repousa num altar a três metros do solo, protegido
por vidros à prova de bala e um sistema de segurança eletrônico – providenciados
depois que, em 16 de maio de 1978, a estátua foi atirada ao chão por um doente
mental e reduzida a 200 pedaços, aproximadamente.
Os fiéis recorrem a
essa santinha de 35 centímetros em busca de milagres e soluções. A história
dessa devoção começou com os pescadores Domingos Garcia, Filipe Pedroso e João
Alves, em outubro de 1717. Encarregados de suprir a mesa do Conde de Assumar, de
passagem pela então vila de Guaratinguetá, eles jogaram a rede no rio Paraíba,
próximo ao porto de Itaguaçu, e trouxeram à superfície o corpo da pequena imagem
– apanhando a cabeça da estátua na segunda tentativa. Até então, os peixes
andavam raros, mas, a partir daquele momento, houve, para espanto dos três
homens, uma repentina abundância. Foi, segundo a tradição, o primeiro milagre
operado pela Aparecida.
Por alguns anos, a santinha ficou na casa de
Pedroso.
Mas logo a sua casa tornou-se pequena para abrigar o grande
número de devotos. Esse foi motivo da construção, em 1734, da primeira capela da
santa. Cento e quarenta anos mais tarde, foram iniciadas as obras da Basílica
Velha, que ficou em segundo plano, após a inauguração, em 1954, da Nova, ainda
não concluída. Percorrer o interior desse templo corresponde a um mergulho na
alma da maior parcela da população brasileira – seja na Capela das Velas, onde
são queimados mais de 20 mil quilos de cera por mês, seja na Sala das Promessas,
no subsolo da catedral, que exibe milhares de ex-votos.
A importância de
Maria no culto popular tem alcançado refrões que distorcem o que a Bíblia ensina
sobre a soberania de Deus. Um exemplo muito conhecido é: “Tudo o que você pede à
mãe, o filho faz”. A grandiosa devoção à Aparecida não é questionada pelos
mentores católicos, antes parece que a ponderação do clero católico tem sido a
mesma do padre mencionado no início deste artigo: “mas se você disser que ele
não existiu, o pessoal que o procura pode ficar bravo”.
Os argumentos
bíblicos
Encontramos nas Escrituras apoio à veneração de santos? Se
fosse apropriada, teríamos no livro de Hebreus, principalmente no capítulo 11,
uma grande oportunidade para o escritor sagrado incentivar essa prática. Mas não
é isso que acontece. Não encontramos nenhum vestígio de proteção mística a
certas profissões ou classes sociais. A superstição e o misticismo são
contestados pelas Escrituras, como, por exemplo, fazer preces aos mortos ou
prestar-lhes culto: “Quando vos disserem: Consultai os necromantes e os
adivinhos, que chilreiam e murmuram, acaso, não consultará o povo ao seu Deus? A
favor dos vivos se consultarão os mortos?” (Is 8.19).
Outro aspecto da
veneração aos santos está relacionado à intercessão e à divindade. As Escrituras
são bem claras ao dizer que há somente um Deus, e somente Deus atua sobre sua
criação. Toda criatura está sujeita e é dependente de Deus. Somente um homem
pôde ocupar o lugar de intercessor, devido à sua divindade: Jesus Cristo. Lemos
em Romano 8.34: “Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem
ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós”. E mais
ninguém!
Galeria dos santos
São Bartolomeu (24 de agosto) –
um dos 12 apóstolos, nascido na Galiléia, sofreu um suplício por divulgar o
evangelho na Armênia, onde despertou a ira dos sacerdotes locais por conseguir
várias conversões. Os sacerdotes então fizeram a cabeça do rei Polímio para que
São Bartolomeu fosse torturado de maneira bárbara: teve toda a sua pele
arrancada, ficando em carne viva, antes de ser decapitado – santo protetor dos
açougueiros.
Santo Ivo nasceu na Bretanha, em 1253. Estudou filosofia,
teologia, direito civil e canônico. Ordenado sacerdote em seguida, era chamado
advogado dos pobres, pois sempre os defendia nos julgamentos. Sem se importar
com a perseguição dos poderosos, ia aos castelos buscar os pertences do povo,
confiscados a título de impostos não pagos. É o santo protetor dos
advogados.
São Dimas. É chamado de bom ladrão. Conta a lenda que ele
conheceu a família de Jesus, dando abrigo ao menino Jesus. Converteu-se após a
crucificação e pediu perdão pelo seu passado pouco antes da morte. É o protetor
dos agentes funerários.
São Bernardo era natural de Piemonte, Itália, no
século 18, e cuidava dos viajantes e peregrinos que precisavam atravessar as
montanhas dos Alpes. Os cães são bernardos levam carinhosamente o seu nome. É
considerado protetor dos alpinistas.
São Tomé. Ficou conhecido no
imaginário popular como aquele que precisa ver para crer. Santo protetor dos
arquitetos, não basta projetar, é preciso realizar.
São Lourenço. Tinha
função importante como assistente do papa, cuidando de toda parte burocrática e
listando todos os pertences. Interrogado sobre os bens da Igreja, pediu prazo e,
em seguida, apresentou o nome dos doentes, dos velhos e das crianças a quem
ajudava. É o santo protetor dos arquivistas.
Santa Clara de Assis. Fundou
uma ordem conhecida como Clarissas. Uma vez perguntaram-lhe se era melhor a vida
contemplativa ou a pregação, e ela respondeu: “Cristo revelou que sua vontade é
que caminhes pelo mundo a pregar”. É a protetora dos artistas de televisão, pois
entendia o valor da comunicação.
Nossa Senhora de Loreto. Diz a história
que o santuário de Loreto guarda a casa em que morou Nossa Senhora, em Nazaré. A
lenda afirma, ainda, que, em 1291, durante as Cruzadas, a casa foi transportada
para lá por anjos. Na verdade, a família De Angelis salvou a casa da destruição
e a transportou para Loreto. É a santa protetora dos aviadores.
Santa
Bárbara. Era uma jovem belíssima e seu pai Dióscoro a encarcerou numa torre, com
ciúmes dos seus pretendentes. Um dia ela fugiu, mas acabou presa. Morta pelo
próprio pai, que em seguida foi fulminado por um raio, é a santa protetora dos
bombeiros.
São Brás. Útil, segundo a lenda, para duas áreas. Resolve
problemas com a garganta e engasgos. Quem não conhece a atitude de tapinha nas
costas seguido da famosa frase: “são Brás, pra frente e pra trás!”? Em seu
martírio, teve os cabelos cortados e o couro cabeludo espetado por pentes de
ferro. É o santo protetor dos cabeleireiros.
São Gabriel Arcanjo.
Independentemente da notícia que o carteiro carregue, ele é supostamente
protegido pelo anjo Gabriel, pois este anunciou a Maria o nascimento de Jesus,
portanto foi portador de boa notícia. É o santo protetor dos
carteiros.
São João Bosco. Sua intensa preocupação com novas formas de
conhecimento o identificou com a sétima arte. Ordenado padre aos 26 anos, fundou
escolas, revistas e editoras, além de oratórios festivos que reuniam filhos de
operários. É o santo protetor dos cineastas.
São Martinho de Tours.
Húngaro, seu pai era oficial do exército romano e o obrigou a alistar-se. Um
dia, porém, ao ver um mendigo tremendo de frio, cortou sua manta ao meio e
ofereceu a metade para ele. À noite, sonhou com Jesus, que disse: “Martinho,
ainda não batizado me ofereceu esse vestuário”. No dia seguinte, ele se
converteu. É o protetor dos comissários de bordo.
São Vito. Mártir
siciliano do segundo século, é invocado durante uma doença nervosa chamada dança
de São Vito. Sua vida foi bem aventureira, sofrendo perseguições por conta de
sua fé. Em Roma, foi condenado a ser jogado às feras no Coliseu. É o santo
protetor dos dançarinos.
Santa Apolônia. Viveu no século três. Preferiu
ser queimada viva a renunciar a fé. Teve todos os dentes arrancados por seus
algozes, mas morreu pedindo perdão para aqueles que a torturavam.
São
Francisco. Nasceu em Assis, Itália, em 1182. Aos 24 anos abandonou tudo e passou
a andar errante e maltrapilho em protesto contra a sociedade burguesa. Seu
testemunho de fé também incluía o amor à natureza e aos animais, acolhendo
qualquer bicho e chamando o sol e a lua de irmãos. É o protetor dos
ecologistas.
Santo Agostinho. Africano da Tunísia, nascido em 354.
Escreveu muitas obras de cunho filosófico. Teve uma ativa vida aflitiva – usou a
si mesmo como ilustração das dificuldades humanas. Considerado doutor, é
protetor dos editores.
Santa Zita. Todas às sextas-feiras, dava esmolas
na cidade, dividindo o pouco que possuía. Numa dessas ocasiões, viu que o
avental que vestia se transformou em flores. É protetora das empregadas
domésticas.
São João Evangelista. Um dos 12 apóstolos, era um dos mais
chegados a Jesus Cristo e testemunhou vários milagres. Escreveu o quarto
evangelho, as epístolas de João e o Apocalipse. É o protetor dos
escritores.
Santo Isidoro. Muito culto, era dicionarista, escritor
considerado à frente de seu tempo. É o santo protetor dos
internautas.
Santa Luzia. Diz a lenda que preferiu arrancar os olhos e
oferecê-los numa bandeja ao seu torturador a renunciar a fé. É a santa protetora
dos oculistas.
São Raimundo Nonato. Foi chamado de nonato (não nascido)
por ter sido retirado das entranhas de sua mãe já morta. É o santo protetor das
parteiras.
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